Como forjar o patriotismo actual, sem perder o sentido da História moçambicana?

 

Por, Joaquim Simango e Amade Casimiro Nacir.

“Uma pátria compõe-se dos mortos que a fundaram assim como dos vivos que a continuam.” Elaborava Ernest Renan. Essa abordagem geral e estrangeira é interessante porque vai permitir inserir Moçambique nesse estudo sobre patriotismo. Isso porque, o nacionalismo e patriotismo moçambicano deve ser enquadrado como reação a presença colonial em Moçambique. E se a presença colonial em Moçambique é quase milenar, meio século, com a instalação das fortalezas de Sofala e Ilha de Moçambique em 1505 e 1507, respectivamente, as feitorias de Sena e Quelimane, 1530 e 1544, respectivamente (Portal do Governo, 2015) , a colonização efectiva começou posteriormente a Conferência de Berlim de 1885.

Durante o processo de reivindicação da independência, foram surgindo movimentos, individualidades, e outras formas de oposição ao colonialismo. Podemos mencionar Mataca ou Ngungunhane, claro de forma não exaustiva. Porém, mais sólidos foram os movimentos de libertação nacional surgidos aos meados do século passado. Os principais foram a União Nacional Democrática de Moçambique (UDENAMO), a Mozambique African National Unity (MANU), e a União Nacional de Moçambique Independente (UNAMI). Esses três movimentos vão congregar-se no movimento nacionalista mor: Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) (Ibid). O objectivo comum e depois único vai ser lutar pela independência do país. Libertar Moçambique da dominação colonial e opressão protagonizada pelo colono, como também o sonho de se verem livres e junto a possibilidade de guiar o destino do país ascendia vontade de luta incansável e heroica.

Para melhor percepção do protagonismo histórico desses movimentos, importa realçar o conceito de Nacionalismo. Nacionalismo é “uma tomada de consciência por parte dos indivíduos ou grupos de indivíduos numa nação, ou ainda desejo de desenvolver a força, a liberdade ou a prosperidade dessa nação” (Arnaut,1996). Portanto, movidos por esse sonho ou ambição, nossos heróis dedicaram a sua juventude, outros deram suas vidas, na luta da libertação nacional. Feitos nobres que as facilidades da vida actual podem arquivar.

Guiados pelo dever moral de ver Moçambique livre, os heróis nacionais deram suas vidas pela pátria e seguiram firmes na luta de libertação. O sentimento patriótico engajou muitos jovens e adultos as fileiras onde só existia único propósito, único inimigo e um sonho. É assim narrado pelos nossos bisavós e avós aos nossos pais e posteriormente a nós. Os que participaram dão seus testemunhos. E nossos pais narram sobre a guerra dos 16 anos, guerra essa que deu origem a novos caminhos para Moçambique, parte da história nacional que seremos nós a contar aos nossos filhos e aos filhos dos nossos filhos, eventualmente.

A nossa convicção é que há diferentes fases da nossa história aonde encontramos a manifestação do nacionalismo e patriotismo. Aliás, patriotismo que consiste no desenvolvimento de um sentimento de auto-preservação em uma moral do dever, podendo envolver inclusive o autossacrifício (Acton, 1985). Ao longo da história de Moçambique deparamo-nos com 4 momentos marcantes no que se refere ao sentimento patriota, momentos esses que passamos a destacar, para depois vislumbrar o nosso momento, nós os jovens de hoje.

Primeiro momento: antes da independência

Pode nesse momento inicial ser razoável a equivalência de nacionalismo com patriotismo, se entender-se que não havia pátria ou nacão, numa perpectiva nossa, dos moçambicanos. É assim que movimentos nacionalistas carregavam consigo valores patriotas que pode se verificar na junção dos vários movimentos nacionalistas existentes na época em uma frente de libertação nacional (FRELIMO), não ainda como um partido político mas sim como uma fusão dos vários grupos nacionalistas que eram movidos pelo mesmo desejo de liberdade e criação de nação e pátria. Onde movidos pelo amor à uma organização que se confundia com uma pátria deu-se sangue, suor e a vida sem medo, com garra e determinação. Todos eram chamados a defender uma causa, era um dever moral, a construção do discurso e as suas representações como analisariam os pós-construtivistas nas Relações Internacionais que eram voltadas à luta de libertação.

Segundo momento: depois da independência

Depois de alcançar-se a independência, surge o conceito de um novo Homem, isto é, livre da opressão e dono do seu destino. Acompanhado pela necessidade de criar uma identidade nacional, ascende assim o amor pela pátria. Esse era o propósito de todos moçambicanos, visto que tínhamos um novo desafio que acarretava a dedicação de todos cidadãos, porque depois de tantas tribulações da época colonial, precisávamos nos sentir um só. Vindo a ser rompido pela guerra dos 16 anos, onde estávamos divididos pelo entendimento do destino do país, assim a unidade nacional e bem-estar comum foram colocados em questão.

Como pode se entender, a identidade nacional, na óptica da psicologia social, pode ser abordada a partir da teoria da Identidade Social. A identidade social pode ser definida como a parcela do autoconceito individual que deriva do conhecimento de pertença a um grupo, juntamente com o valor associado a esta pertença e o seu significado emocional (Tajfel, 1981).

Terceiro momento: pós guerra de 16 anos

Assolados pela destruição, perdas e divisão ideológica, viu-se a necessidade de renovar o compromisso pela construção e desenvolvimento do país, mas também da pátria e da nação. Os jovens da época foram chamados novamente a colocar o Interesse Nacional acima do individual, honrar as cores da bandeira e outros símbolos nacionais apesar das adversidades ideológicas. E foi esse caminho aberto pelo multipartidarismo, revisão constitucional e, consequentemente, institucional que se verificou na época.

Quarto momento: nossa época (pós-2000)

A juventude actual, de transição dos séculos XX para XXI e do início do século XXI, nasceu e está a crescer numa realidade diferente aos dos nossos heróis. Heróis que foram jovens, jovens que marcaram a transição de uma época de turbulência para época de paz. Esses, nos entregaram um país livre, mas com desafios ainda. E é irracional, quase ultrajante comparar desafios de duas épocas diferentes. Entretanto, os mais velhos, cumpriram e superaram os desafios dos seus tempos; daí surge a questão: e os desafios de hoje? Quem deve superar os desafios de hoje?

Naturalmente, é uma questão retórica, pois o bom senso nos informa que se os jovens de ontem lutaram suas lutas, os jovens de hoje devem lutar, também, suas lutas. E porque as questões são meio caminho para as respostas, e as respostas podem ser as soluções de que necessitamos, indaguemo-nos ainda: qual é o nosso compromisso com a pátria que nos foi dada? Como honrar nossos pais, tios, avós, bisavós? Como fazer com que o sangue derramado em Mueda ou Homoine não tenha sido em vão? Como olhar com dignidade para aqueles que hoje não possuem membros completos pela sua entrega à causa da pátria? Quantos de nós faria a metade do que os outros fizeram, outrora? Toda comparação não fazendo razão.

Certamente não temos respostas para todas essas questões. E seria ousado, num texto destes, propor soluções discursivas para problemas de uma geração; mesmo se já considerava Victor Hugo, “Ousar, eis o preço do progresso”. Entrementes, um elemento que pode nos ligar aos mais antigos é a responsabilidade. Isso é, os nossos heróis, não legaram a responsabilidade para a criação e consolidação da pátria. Pegaram eles mesmos em armas, canetas, enxadas, seringas e avançaram. Não apenas culparam os outros, não. E essa é a proposição: tomarmos a responsabilidade pelo destino do país. Nosso país, de todos moçambicanos, desde o Rovuma até ao Maputo, passando por Inchope. Desde o Zumbo ao Índico, passando pelo Zambeze. Não há mais moçambicanos que outros, todos nós temos deveres e direitos para e de Moçambique.

Finalmente, dentro das adversidades de hoje, encontramos um Moçambique que necessita do nosso engajamento. Que precisa dos jovens para conduzir o seu destino, combater divisionismo, produzir para todos, e procurar desenvolvimento e bem-estar nacional. O destino do país está nas mãos dos jovens e cabe a eles transformarem o país e dar continuidade ao sacrifício feito pelos nossos heróis, outros jovens, de ontem.

In fine, a questão permanece, o que diremos aos nossos filhos, e aos filhos dos nossos filhos sobre o nosso contributo para a história do país, e quais foram os nossos actos patriotas?

Referências Bibliográficas

1. Acton, J.E.E.D, (1985), “Selected writings of Lord Acton”. In J. Rufus Fears (Ed.), Essay in the history of liberty: Vol1. In Indianapolis, IN: Liberty Fund.

2. Arnaut, Luis, (1996), “O desenvolvimento do nacionalismo em Moçambique”.

3. Nacir, Amade Casimiro, (25/06/2022) “Qual patriotismo moçambicano no século 21” https://amadecasimironacir.com/page/3/ 08-07-2022

4. Portal do Governo de Moçambique, (2015), A luta Pela Independência, consultado a 18 de Agosto de 2022, via https://www.portaldogoverno.gov.mz/por/Mocambique/Historia-de-Mocambique/A-Luta-pela-Independencia.

5. Reiche & Hopkins, (2001), “Psychology and the end of history: A critique and a Proposal for the Psychology of social categorisation”, Vol.22, p383

6. Tajfel H, (1986), Groups and Social categories- Studies in Social Psychology. Cambridge: Cambridge University Press.


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