Política Externa de Moçambique Para os BRICS – Interesses, Desafios e Perspectivas (2008-2023)
I.
Introdução
O Sistema Internacional é
composto por diversas categorias de atores, a destacar os atores estatais e
actores não-estatais. Todos esses influenciam as relações internacionais.
Porquanto, a interação entre os actores internacionais é o que ocasiona as relações
internacionais. Por um lado, os actores estatais são os Estados (Estado-nação e
nação-Estado), por outro lado, os actores não estatais são todos aqueles que
não se encaixam na definição de Estado[1];
como por exemplo, indivíduos, grupos terroristas, empresas multinacionais,
Organizações Não Governamentais (ONG) e Organizações Internacionais (OI).
Embora o fórum Brasil, Rússia,
India, China, Brasil e África do Sul (BRICS) não seja tecnicamente uma OI[2],
existem elementos de continuidade entre as OI tradicionais e esse fórum.
Podemos avançar dois: a realização de cimeiras de chefes de Estado e criação de
instituições próprias. O BRICS tem realizado com alguma regularidade, cimeiras
de chefes de Estado e governo, com objectivo de alinhar as posições do fórum.
Igualmente, o BRICS criou o Banco dos BRICS (New Development Bank, 2023) que, pretende ser uma alternativa as instituições financeiras
tradicionais e ocidentais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) ao Banco
Mundial (BM), também chamadas de Instituições de Bretton Woods.
Com efeito, parece visível a
crescente importância do BRICS. A evidência da importância do BRICS é a vontade
que actualmente existe em muitos países do “sul global[3]”
em integrar esse fórum. Dois elementos podem provar essa evidência. Primeiro, a
realização, em agosto de 2023, do fórum “BRICS PLUS – Partidos
Políticos”, onde registou-se a presença de partidos políticos de mais de 20
países, manifestando e concertando visões sobre os assuntos internacionais (Radio Mocambique, 2023). Segundo, a cimeira do BRICS, que culminou com o segundo alargamento
do fórum, que passou a designar-se BRICS +. O primeiro alargamento aconteceu em
2010 com a entrada da África do Sul.
Dada a importância do BRICS, é
relevante analisar a política externa de Moçambique para o BRICS. Esta é uma
abordagem inicial e, por isso, desafiadora; entretanto, a mesma insere-se num
contexto em que já existem estudos sobre a política externa dos BRICS para
Moçambique (Paulo M. Wache,
2014)[4]. A abordagem de Wache et al (Ibid),
consiste no Estudo do perfil de cada integrante do BRICS e depois na exploração
da Política Externa (PE) de cada um para Moçambique.
Todavia, aqui procurara-se
observar o BRICS como uma entidade única, sempre que possível, mas,
inadvertidamente faze-se a soma dos seus integrantes para integrar o todo, e aí
pode-se questionar, legitimamente, como agrupar o BRICS enquanto destino da Política
Externa de Moçambique, sendo que o BRICS não é uma entidade única – a despeito
das características comuns dos países parte desse fórum. Ora, a característica
uni-vectorial da Política Externa mantem-se, na medida, interessa ao estudo, as
ações de Moçambique para o exterior, e não as ações do BRICS. E assim
enquadrou-se a quantidade e qualidade da informação ao formato do presente
texto – que é um artigo. E a partir de 2008 pode-se tomar o fórum como uma
unidade única, porquanto já emerge um posicionamento convergente sobre as
relações internacionais.
Finalmente, o presente artigo
vai concentrar-se em três eixos complementares: interesse, desafios e
perspectivas. Isso é, identifica-se o interesse que Moçambique tem para com o
BRICS, de acordo com sua ação exterior, estuda-se os desafios ligados a esses
interesses da política externa de Moçambique e finalmente apresenta-se as
respetivas perspetivas em função dos interesses e os desafios da política
externa de Moçambique para o BRICS.
1.1.Considerações metodológicas
Para a elaboração do presente
estudo, usou-se a metodologia qualitativa, recorrendo ao método de abordagem
hipotético-dedutivo, métodos de procedimento histórico e as técnicas de
pesquisa bibliográfica e documental. O método hipotético-dedutivo foi empregue
por meio da hipótese implícita neste estudo: Moçambique tem uma Política
Externa para o BRICS. Assim, recorreu-se a histórica para perceber como
Moçambique tem agido e se comportado na sua relação com o BRICS. Efetuou-se
esta pesquisa, recorrendo a livros, artigos, websites e vídeos que abordam
assuntos relacionados com a ação de Moçambique para o BRICS.
II.
Política Externa de Moçambique: Significado, Origem
e Evolução, Princípios, Objectivos e Âmbito
Existem muitos estudos e
definições sobre política externa. Tome-se por exemplo a definição de Wache (Wache, 2020),
que considera Política Externa como “conjunto de decisões e ações tomadas por
governos e estados em relação ao exterior.” Para Silva (2012:133), a Política
Externa “preocupa-se, em primeiro lugar, com manutenção a da independência e
segurança do Estado e, depois, com a proteção e promoção dos seus interesses
económicos, sobretudo os dos grupos mais influentes.” Por seu turno, Zeca[5]
citado por Salgado (Salgado, 2022),
a Política Externa é o conjunto de ações, objectivos e princípios traçados pelo
Estado para serem alcançados no meio externo. Sumariamente, vale notar que são
recorrentes nas definições de política Externa, as seguintes palavras:
decisões, ações, princípios, objectivos, interesses, comportamentos.
2.1.Significado de Política
Externa de Moçambique Para o BRICS
Em diferentes estudos é
recorrente o uso do termo definição no lugar de significa, contudo, neste
estudo, por se pretender incluir tanto a parte teórica assim como a parte
prática, usou-se o termo significado. Destarte, a política externa de
Moçambique para o BRICS é o conjunto de decisões que Moçambique toma, e ações
que Moçambique empreende, viradas exclusivamente para o BRICS; podemos
acrescentar a palavra comportamento, que nalgumas vezes vai acoplar ações e
decisões. Vai-se, portanto, fazer o esforço de olhar as ações e decisões de
Moçambique para o BRICS como uma entidade única e exclusiva receptora do
comportamento e ações de Moçambique, o que não exclui análises esporádicas de
cada um dos membros do BRICS, sempre considerando continuidades da filosofia do
respectivo Estado e do BRICS.
Importa, porém, mencionar que
embora BRICS não seja uma Organização Internacional (OI), olhando para os
critérios de constituição de uma OI, esse fórum internacional tem elementos que
o aproximam de uma OI. Ora, se para ser uma OI, a entidade internacional deve
ter acto constitutivo (documento inicial acordado entre os Estados-membros),
sede, órgãos próprios, sobretudo e resumindo, personalidade jurídica
internacional: deveres e obrigações internacionais, percebe-se que o BRICS não
tem essas características. Contudo, o BRICS tem um Banco de Desenvolvimento,
reúne-se frequentemente, e adopta posições colectivas.
Nota-se então que o BRICS
possui algumas características de uma OI. Com base nos elementos acima e, mesmo
aceitando a critica do risco de tratar o BRICS como OI, neste texto o
tratamento dessa entidade internacional mais se aproxima de OI do que de fórum,
a razão dessa escolha centra-se no facto de assim conseguir-se maior
possibilidade de compreensão da realidade internacional no contexto específico
deste texto.
2.2.Origem e Evolução da Política
Externa de Moçambique
Quanto a origem da Política
Externa de Moçambique, ela remonta à 1975. Isso é, as ações de Moçambique para
o exterior, começam a partir de 25 de junho de 1975, data em que Moçambique se
torna um Estado soberano, independente e capaz de tomar decisões para o
ambiente exterior. Porém, antes disso, houve o que podemos considerar antecedentes
da Política Externa de Moçambique. Os antecedentes da Política Externa de
Moçambique são elementos que antecedem a Política Externa de Moçambique e vão
influencia a mesma.
Estes antecedentes são o
conjunto de ações e decisões tomadas pela Frente de Libertação de Moçambique
(FRELIMO) para o exterior, dado o reconhecimento internacional que a FRELIMO
gozava enquanto legitimo representante do povo moçambicano aquando da Luta Armada
de Libertação Nacional. Tal reconhecimento vinha de Estados e OI, como por
exemplo, Tanzânia, Zâmbia, Egipto, União Soviética, Bulgária, Checoslováquia,
República Popular da China, Correia do Norte, República Democrática da
Alemanha, Itália, China, Organização da Unidade Africana e Organização das
Nações Unidas (Zeca, 2021).
Pode então surgir a questão:
porquê não considerar 1962, data da fundação da FRELIMO como igualmente a data
do início da Política Externa de Moçambique? A
proposta de resposta baseia-se no facto de considerar-se Política Externa uma
actividade exclusiva do Estado, dos actores estatais. Só Estados têm Política Externa, porquanto ela é parte da política
pública estatal. Mas reconhece-se que outros actores internacionais tenham
ações externas. Assim, a FRELIMO tinha ações externas e Moçambique tem Política
Externa. Contudo, as ações externas da FRELIMO influenciaram e influenciam a
política externa de Moçambique.
Desse modo, durante a evolução
da política externa de Moçambique, vai existir uma retroalimentação com as
relações exteriores da FRELIMO. Ademais, quatro elementos influenciam a
Política Externa dos Estados: princípios, objectivos, determinantes e actores.
Para o caso de Moçambique, esses elementos serão presentes durante a evolução
da sua Política Externa, que é influenciada pelas ações externas da FRELIMO.
2.3.Princípios da Política Externa
de Moçambique
Moçambique tem como princípios
de sua Política Externa, a Independência, Solidariedade e Defesa do Interesse
Nacional. esses princípios evoluem com base nos antecedentes da Política
Externa de Moçambique. Desde a sua criação a FRELIMO pautou pelos princípios de
Independência; Solidariedade e Defesa do Interesse nacional. A FRELIMO,
inicialmente, materializou o princípio da Independência no caso da
guerra secessionista da Biafra (1967-1970)[6];
onde Tanzânia e a Zâmbia reconheceram o Estado secessionista do Biafra. A
FRELIMO defendia e apoiava a unidade e integridade territorial da Nigéria.
Assim a FRELIMO manteve o princípio da independência ao não aderir a visão da
Tanzânia e da Zâmbia – esses últimos que apoiavam os esforços anticoloniais da
FRELIMO – e apoiou o interesse nacional da Nigéria solidarizando-se na
defesa da sua Soberania.
Por conseguinte, através do
princípio de Independência, a FRELIMO posicionou-se de forma neutra à ruptura
sino-soviética durante a guerra fria[7],
ao mesmo tempo que defendia seu Interesse Nacional[8],
de salvaguardar a amizade chinesa e soviética. Isso é, a FRELIMO não cedeu as
“pressões”, tanto da URSS, assim como da China Continental, para apoiar uma ou
outra e criticar a contraparte. Adicionalmente, a FRELIMO solidarizou-se
como povo do Vietname[9]
e condenou a invasão daquele pais pelos EUA entre 1961 e 1975, manifestando o
princípio de solidariedade internacional.
Após a independência, o Estado
Moçambicano foi solidário com os movimentos de libertação na Africa Austral
(ZANU, no Zimbabwe, ANC, na Africa do Sul, e SWAPO, na Namíbia) apoiando estes
na luta contra o colonialismo e imperialismo (Zeca, 2021).
Uma continuidade do princípio de solidariedade que emerge com a FRELIMO. Ainda,
o Estado Moçambicano tem se mantido neutro no conflito russo-ucraniano (Cascais,
2023), demonstrando assim a continuidade
do princípio de Independência: é independente o suficiente para não
ceder a “pressão” ocidental e ucraniana para apoiar a última, mas também
independente o suficiente para não ceder a pressão russa que requer o apoio de
Moçambique. Em última instância, Moçambique estava a garantir seu Interesse
Nacional, salvaguardando boas relações com a Rússia, assim como com o
Ocidente. Por fim, pode-se adicionar os princípios de Respeito mútuo,
igualdade, não interferência nos assuntos internos e reciprocidade nos
benefícios, tal como estabelece a Lei número 1/2018, de 12 de Junho, Lei da
Revisão Pontual da Constituição da República de Moçambique.
2.4.Objectivos da Política Externa
de Moçambique
Os objetivos da Política
Externa de Moçambique consistem em garantir a segurança e integridade
territorial, desenvolvimento económico e manter boas relações com os demais
países no Sistema Internacional. Esses objectivos estão acoplados à outros,
como se compreende à seguir: é de fazer mais amigos Para Zeca (Zeca E. J., 2015)
[Os objectivos da Política Externa de
Moçambique, consistem em] 1. Garantir a estabilidade, segurança e integridade
territorial, o desenvolvimento económico e social do país; reforçar as relações
de amizade e de cooperação com todos os membros da Comunidade Internacional;
divulgar as potencialidades de Moçambique, com vista a atrair mais parcerias
para o desenvolvimento e elevar cada vez mais o prestígio de Moçambique, no
concerto das nações; contribuir para o reforço da paz e segurança
internacionais, bem como para o progresso harmónico e bem-estar da humanidade;
2. Promover o desenvolvimento sustentável, no âmbito da materealização dos
objectivos do desenvolvimento do milénio; mobilizar recursos destinados à
implementação dos programas do Governo e à atracção de investimentos, visando
acelerar a erradicação da pobreza e a edificação do desenvolvimento
sustentável; promover parcerias para o desenvolvimento empresarial; 3.
Consolidar a cooperação política e acelerar a integração económica da região da
África Austral; participar nos esforços dos Estados da região e de África
visando uma maior integração económica mundial; contribuir para a solução
pacífica e negociada de conflitos; e assistir e proteger as comunidades
moçambicanas no exterior. (Zeca E. J.,
2015)
2.5.Âmbito da Política Externa de
Moçambique
Quanto ao âmbito a Política
Externa de Moçambique, ela caracteriza-se como bilateral, regional,
multilateral, e das comunidades moçambicanas no estrangeiro (Ibid). Efectivamente, o âmbito
bilateral refere-se na ação de Moçambique para um actor de relações
internacionais, seja de Africa ou de outro continente; o âmbito regional diz
respeito as ações de Moçambique para os países da região austral de Africa; o
âmbito multilateral refere-se as ações de Moçambique para organizações
internacionais.
A política externa e a
diplomacia de Moçambique compreendem o âmbito bilateral, regional, multilateral
e a componente das comunidades moçambicana moçambicanos no estrangeiro. No
âmbito bilateral, Moçambique estabelece e desenvolve relações de amizade e cooperação
com outros Estados, privilegiando a cooperação Sul/Sul. No âmbito multilateral,
a participação activa nas actividades das Organizações Internacionais constitui
uma das prioridades do Estado. No âmbito regional, Moçambique desenvolve e
consolida relações de amizade, boa vizinhança e cooperação com os Estados da
África Austral e do continente africano, no âmbito do fortalecimento da SADC e
da União Africana. Por último, no que tange às comunidades moçambicanas no
exterior, a política externa de moçambique está orientada para a protecção dos
seus cidadãos nacionais e dos seus interesses no exterior, a valorização da sua
cidadania, bem como o seu encorajamento para a sua permanente participação no
desenvolvimento colectivo de Moçambique (Governo de Moçambique, Resolução n.°
32/2010 de 30 de Agosto).
III.
Política externa de Moçambique para o BRICS
Acima consideramos que a
política externa de Moçambique emerge no ano de 1975. Em 1975, por exemplo,
logo no dia 25 de Junho, Portugal reconheceu o Estado moçambicano (República Portuguesa - Portal do Governo, Negocios
Estrangeiros, 2022), tendo igualmente
estabelecido relações diplomáticas – o facto de Moçambique acredita um
diplomata português representa uma ação de Moçambique para o exterior, para um
actor internacional, no caso o Estado Português. Agora, é necessário mencionar
o ano em que emerge a política externa de Moçambique para os BRICS. Antes,
porém, importa esclarecer o que é, efectivamente, o BRICS.
3.1.Emergência do BRICS
Brasil, Rússia, India, China e
África do Sul, é o acrônimo do fórum BRICS (do inglês: Brazil, Rússia, India,
China and South Africa). Mas nem sempre foram BRICS, porquanto começaram como
BRICs. O “s” era representativo do plural; enquanto o “S” é representativo de
África do Sul (South Africa). Isso é, inicialmente, a Africa do Sul não fazia
parte do fórum BRICS, tendo sido integrado em 2011, o que, actualmente, podemos
considerar primeiro alargamento.
Os encontros formais do BRICS
começaram em 2006. Aquando da Assembleia Geral das Nações Unidas (AGNU), em
Nova Iorque. Sob proposição russa, os ministros dos negócios estrangeiros da
Rússia, Brasil e China, e o ministro da defesa indiano, mantiveram encontros à
margem da AGNU de 2006, culminando com um comunicado conjunto sobre os
principais assuntos globais (INFOBRICS,
2023). Em 2008, os ministros dos
Negócios Estrangeiros da Rússia, Brasil, India e China se reúnem em
Yekaterneburgo, para seguidamente os líderes dos mesmos países – Dmitry
Medvedev, Luiz Inácio Lula da Silva, Manmohan Singh e Hu Jintao –
respectivamente, se reunirem em Toyako, no Japão, a margem da cimeira do G7.
Esses encontros serviram de momentos de concertação sobre um posicionamento comum
relativamente aos problemas globais. A África do Sul integrou o BRIC em abril
de 2011, na cimeira de Sanya, China (Wache et al, 2014).
O fórum BRICS se posiciona
então como um polo de mudança da ordem internacional dominada pelo ocidente.
Podemos aqui abrir um parenteses e explicar que ordem internacional é a forma
como está estruturado o poder no Sistema Internacional. De forma resumida,
temos a ordem multipolar, a ordem bipolar, a ordem uni-multipolar, e a ordem
unipolar. A ordem multipolar significa existência de vários Estados com domínio
dos assuntos internacionais; a ordem bipolar significa existência de dois
Estados com domínio dos assuntos internacionais; a ordem uni-multipolar
significa existência de um Estado com domínio internacional relativamente
elevado face à outros Estados com também algum domínio internacional; por fim,
a ordem unipolar significa existência de apenas um Estado com domínio
internacional.
O fórum BRICS seria então um
exemplo de construção do que Wache et al (2014) chama de multipolaridade
inclusiva. Sumariamente, multipolaridade inclusiva seria uma ordem mundial
aonde a existência de uma potência ou polo de poder não exclui a possibilidade
de emergência de outra potência/s ou polo/s de poder, a nível do Sistema
Internacional. E esse desiderato é relativamente aceite pelos países do “sul
global” que buscam alternativas ao modelo unipolar dominado pelo ocidente.
Fechando o parenteses,
percebemos a possibilidade de existência de diferentes tipos de estrutura de
poder no Sistema Internacional. E por vezes os polos de poder não são feitos
por apenas um Estado, mas sim por um conjunto de Estados. Tomemos o exemplo da
guerra fria, também conhecida como ordem bipolar – pela existência de dois
polos de poder: um capitalista (liderado pelos Estados Unidos da América – EUA)
e outro socialista (liderado pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas –
URSS).
Com o fim da guerra fria, a
desagregação da URSS, houve um período em que os EUA lideraram os assuntos
globais. Podemos considerar que isso sucedeu de 1991 até 2008, com a crise
financeira global iniciada nos EUA (que demonstrou a fragilidade do sistema financeiro
americano), ou 2014 com a anexação da Crimeia pela Rússia (não tendo os EUA
demonstrado uma reação à altura para prevenir ou reverter a acção russa).
Porém, pode-se igualmente, apontar 2001 e os ataques às torres gémeas e o
pentágono (símbolos dos poderes económico e militar dos EUA) como o ano que
marca o fim da hegemonia global dos EUA. Mutatis Mutandis, é quase consensual que
durante a última década do século passado, o poder dos EUA era um poder sem
paralelo. E resumindo, é mais razoável considerar 2014 como o marco da perca de
poder hegemónico dos EUA.
Desse modo, essa liderança dos
assuntos globais por parte dos EUA evidencia-se pela ação desse Estado para
satisfazer interesses próprios. Podemos referenciar a invasão ao Afeganistão e
ao Iraque, no início da década 2000. Depois, o próprio impacto da crise
financeira nos EUA sobre todo o mundo – que demonstra a influencia dos
acontecimentos nos EUA no Sistema Internacional.
Por conseguinte, alguns
Estados ocidentais, como os membros da União Europeia (EU), Japão, Coreia do
Sul, Austrália, Nova Zelândia, entre outros, posicionaram-se a favor da
liderança dos EUA. Contrariamente, o fórum BRICS se posiciona como uma
alternativa a um mundo unipolar. Isso é, o BRICS pretende desafiar a hegemonia
dos EUA (incluindo o ocidente global) no domínio dos assuntos globais.
Por fim, a recente cimeira do BRICS, i.e., a 15ª cimeira do BRICS,
realizada em Joanesburgo, na África do Sul, a 22 de agosto de 2023, culminou
com o alargamento dos países integrantes do fórum. O que pode significar aceitação, por parte dos actores estatais que
manifestaram e efectivaram a adesão ao fórum, em participarem no processo de
transição da ordem internacional. E esses actores estatais representam
diferentes sensibilidades geográficas.
In
fine, com o alargamento dos países que agora integram o BRICS, essa
representação aumentou. Temos Arábia Saudita, Irão e Emiratos Árabes Unidos do
continente asiático no subcontinente do Médio Oriente; Etiópia e Egipto do
continente africano; Argentina do continente americano, no subcontinente da
américa do sul. Ora, o alargamento do BRICS significa aceitação, por parte dos
Estados – principais actores das relações internacionais, em recriar um mundo
multipolar, sem o domínio único dos EUA, especificamente e ocidente, de forma
geral. Assim, a Política Externa de Moçambique para o BRICS pode ser demarcada
para 2008, quando esses países assumem uma única voz no sistema internacional,
com todas nuances presentes.
3.2.Interesse de Moçambique face
ao BRICS
A política externa de
Moçambique para o BRICS começa em 2008, ano de instituição formal do fórum
BRIC. Assim, julgamos adequado dividir a analise da política externa de
Moçambique para o BRICS em dois momentos. O primeiro momento será de 2008 até
2014, que fazemos coincidir com (i) o ano de formalização do fórum BRICS, até
(ii) o ano do fim da governação Guebuza, respectivamente; o segundo momento
será de 2015 até 2023, que fazemos coincidir com (i) o ano de início da
governação Nyusi, até o ano da realização da cimeira de Joanesburgo e
alargamento do BRICS, respectivamente.
Tomamos as governações Gubuza
e Nyusi na medida em que os líderes, principalmente os Presidentes da
República, são dos principais actores de política externa. Aliás, em
Moçambique, os actores de Política Externa são o Presidente da República, o
Conselho de Ministros e a Assembleia de República (Wache, 2020).
Ademais, uma das competências do Presidente da República no domínio das
relações internacionais de Moçambique é precisamente “orientar a política
externa” (Moçambique, 2025) Portanto, a divisão dos
períodos (Guebuza e Nyusi) não limita a ação desses líderes como política
externa de Moçambique, mas é indicativo temporal da ação externa de Moçambique
para o BRICS.
3.2.1.
Governação Guebuza
Durante a governação Guebuza o
interesse de Moçambique na sua ação externa para o BRICS vai concentrar-se no
crescimento económico nacional, fortalecimento do sector da educação,
fortalecimento do sector da saúde, e extração de recursos naturais. Assim, Moçambique
vai direcionar suas ações para o BRICS para materializar os desideratos retro
mencionados. Abaixo explicamos como isso se vai manifestar.
·
Investimento e crescimento económico de Moçambique
No período da governação
Guebuza, o BRICS foi visto como uma alternativa de financiamento as actividades
de desenvolvimento de Moçambique. Notemos que, “Entre 2008 e 2014, a dívida de
Moçambique com os BRICS aumentou mais de nove vezes, passando de cerca de US$
191 milhões para cerca de US$ 1,8 mil milhões.” (Massarango e Chichava, 2018). Essa vontade de fazer crescimento económico se manifesta no destino
dos empréstimos que Moçambique fez para os países do fórum BRICS. Por exemplo,
os pedidos de crédito aos BRICS foram usados para construção de aeroportos
(Nacala), estrada circular (Maptuo), entre outras infraestruturas que permitem
o crescimento económico do pais por meio de sua utilização.
As infraestruturas de transporte, água, energia
e telecomunicações são as principais finalidades dos créditos com os BRICS. Dos
cerca de US$ 5 mil milhões de acordos de crédito, entre 2008 e 2015,
praticamente US$ 3 mil milhões foram utilizados para financiar estes sectores.
Se se considerarem os investimentos complementares feitos na zona de Nacala
para estimular o seu desenvolvimento, o valor supramencionado sobe para quase
US$ 4 mil milhões, ou seja 80% do valor do crédito total contraído (…) A
alocação intersectorial dos créditos contraídos varia, mas, no que respeita aos
valores das infraestruturas, as estradas, pontes, barragens e aeroportos
dominam as finalidades dos investimentos. (Ibid)
·
Fortalecimento do sector de saúde
Embora essa não seja das
principais áreas aonde se verificam ações de Moçambique para o BRICS, existem
exemplos da importância da cooperação na saúde, durante a administração
Guebuza. Na verdade, neste sector há uma forte presença da China, India, Brasil
e Africa do Sul, que respondem a preocupação de Moçambique. Aqui, o
comportamento de Moçambique para o exterior consiste na solicitação de apoio
para fortalecer suas capacidades de resposta em saúde.
Face a ação de Moçambique, os
países do BRICS ofereceram apoio diverso. Esse apoio vai desde auxílio
infraestrutural (reabilitação do Hospital da Beira, com financiamento chinês),
fortalecimento de capacidades (formação e construção de infraestruturaas como a
fábrica de antirretrovirais, fornecida pelo Brasil), aceitação de doentes (nas
clínicas sul africanas) e facilitação de venda de medicamentos (vindos da
India). E embora existam similaridades entre os países do fórum BRICS, há
descontinuidades nas respectivas abordagem, tal como atesta Buyn (2018):
Brazil promotes structural
cooperation and self-reliance, combining human resource, organizational and
institutional capacity development assistance, and – exceptionally (or
pioneering) for its cooperation in Africa – pharmaceutical production
development. The Chinese approach is characterized by infrastructural and
equipment support, together with clinical support through human resource
development. India’s cooperation on the other hand is geared towards clinical
long distance assistance – and its private sector involvement might proof to be
much more influential on the health system. South Africa’s health assistance is
embedded in regional and border cooperation. (Bruyn, 2018)
Aqui torna-se interessante
analisar o caso específico do Brasil e a construção da fábrica de
antirretrovirais. Porquanto, embora a proposta fora feita pelo presidente Lula
da Silva, em 2005 (Mangwiro, 2007), houve um processo de interação e
finalmente aceitação por parte de Moçambique. E essa aceitação surge num
contexto onde o BRICS se posiciona como alternativa aos parceiros tradicionais.
Essa aceitação manifesta uma ação de Política Externa: a decisão de aceitar o
apoio brasileiro. Efectivamente, a fábrica começou a operar em 2012, inaugurada
com a presença do então vice-presidente brasileiro, Michel Temer (Xpress,
2012).
·
Fortalecimento da educação: mobilidade
internacional dos estudantes moçambicanos
Essa consideração, referente a
mobilidade internacional dos estudantes moçambicanos, insere-se na Declaração
de Nova Deli sobre Educação, elaborada em 2014, pelos ministros da Educação dos
BRICS, aquando da quarta reunião dos BRICS. Na verdade, o BRICS tem vontade de
se tornar receptáculo de estudantes internacionais ou, parafraseando
Caminu-Esturo (2018), “importador da mobilidade internacional académica”. E
Moçambique apercebeu-se dessa vontade do BRICS e conjugou suas ações externas
para facilitar o envio de estudantes moçambicanos para frequentarem
instituições de ensino superior nos países do BRICS.
Por conseguinte, entre os três
países para onde se destinam mais estuantes moçambicanos, temos dois do BRICS.
Brasil e África do Sul são destino preferencial dos moçambicanos que partem par
o estrangeiro, além de Portugal (não parte do BRICS). Percebemos então que
Moçambique, enquadrando-se nessa perspectiva dos BRICS, explora as
possibilidades abertas pelo BRICS. Na verdade, a história (Rússia e China)
língua (Brasil) e proximidade (África do Sul)[10]
facilitam a mobilidade dos estudantes moçambicanos para o BRICS (Camino-Esturo, 2018).
·
Exploração dos recursos naturais e agrários: gás,
carvão, arroz
Moçambique procurou durante a
administração Guebuza, explorar seus recursos de forma relativamente intensa. E
com base nesse interesse vai solicitar o investimento directo do BRICS para a
área agrária (China e Brasil), extração mineira (Brasil e India) e gás (India e
Africa do Sul). A exploração agraria por meio da China se efectiva por meio da
Wanbao Agriculture que tem uma plantação chinesa de arroz (HOFMANN, 2015).
No que concerne a componente agrícola brasileira, Jimena e Chichava (2013)
apontam três características da presença brasileira no sector agrário
moçambicano:
Da análise dos projectos brasileiros em curso, é
possível identificar importantes tendências que definem o Brasil enquanto
“parceiro de desenvolvimento”: (i) vários programas são desenvolvidos com base
no sucesso que tiveram aquando da sua aplicação no Brasil; (ii) existe uma
oferta diversa, desde o resgate de sementes nativas para a agricultura familiar
ao reforço institucional e desenvolvimento do agro -negócio; e, (iii)
consequentemente, participa uma grande variedade de actores desde movimentos
sociais a diferentes agências estatais.
Brasil e África do Sul
focaram-se na exploração dos recursos naturais moçambicanos. Inicialmente,
Brasil, por meio da empresa Vale do Rio Doce, explorou a Mina de Carvão de
Moatize (Jimena e Chichava,
2013). Para o caso da África do Sul,
por exemplo, notamos que Moçambique procura o IDE sul-africanos para
potencializar seu sector extrativo, precisamente o sector de gás natural. É
assim que Moçambique assinou acordos de concessão com empresas como SASOL (Wache,
2020). Ainda no sector extrativo, o
IDE é notável por meio da International Coal Ventures Private Limited
(ICVL) que explora o carvão na província de Tete (HOFMANN, 2015).
3.2.2.
Governação Nyusi
Durante a administração Nyusi,
Moçambique vai procurar fazer crescimento económico, transição energética,
intensificar as reformas da arquitetura global de relações internacionais e
avanço do multilateralismo.
·
Crescimento económico de Moçambique
O interesse de fazer
crescimento económico de Moçambique por meio da cooperação com o BRICS foi
manifesto durante a cimeira de 2023. A ação de Moçambique em aceitar o convite
que o BRICS efectuou para Moçambique participar na cimeira do fórum, nesse ano,
nos remete a política externa, na medida em que Moçambique aceita um convite de
uma entidade externa, de um actor internacional. E além de aceitar o convite,
Moçambique manifestou a preocupação de cooperar economicamente com o BRICS, tal
como depreende-se com o seguinte texto:
O Presidente Filipe Nyusi foi um dos convidados
aos debates havidos durante a cimeira dos BRICS na África do Sul, na semana
passada, e manifestou o interesse de Moçambique cooperar com aquele grupo,
porque, realçou, se preocupa com o crescimento económico dos países e com a
qualidade dessa expansão. (Miguel, 2023)
Podemos aqui adicionar a
vontade de Moçambique em aceder ao Banco dos BRICS. Na verdade, o interesse de
Moçambique em aderir aos fundos do Banco do BRICS baseia-se na solidariedade
Sul-Sul que se pressupõe ser um dos móbeis da cooperação do BRICS com os restantes
países em desenvolvimento (Observador,
2023). E essa vontade de aceder aos
fundos do Novo Banco de Desenvolvimento é para auxiliar o desenvolvimento de
Moçambique, num contexto de diversificação das fontes de financiamento
internacional.
·
Reforma da arquitectura global de relações
internacionais e avanço do multilateralismo
Moçambique posiciona-se como
um dos países que procura impulsionar a reforma da ordem internacional. Podemos
perceber tal aspiração por meio do discurso do chefe de Estado moçambicano
aquando da 78ª sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas (Televisão de Moçambique - YouTube, 2023). Acima expusemos o facto do BRICS se
colocar como alternativa a forma actual de governação formal e informal do
mundo, como manifestação de multilateralismo.
Por isso, o facto de
Moçambique ter aceite o convite dos BRICS para participar do “Diálogo dos
Líderes Amigos dos BRICS”, realizado em Joanesburgo, República da África do Sul,
no âmbito 15ª Cimeira da agremiação, evidencia essa vontade de participar na
intensificação do multilateralismo. Se não concordasse com os objectivos e
visão que o BRICS tem, Moçambique não participaria desse encontro. Tanto é que
o Presidente da República de Moçambique considerou na ocasião que, “(…) na
dinâmica da actualidade, a cooperação multilateral constitui um grande desafio
para a esfera de desenvolvimento das relações entre os Estados, na perspetiva
de inclusão do Sul Global nos sistemas multilaterais, como forma de promover o
crescimento económico.” (Presidência da República de Mocambique, 2023).
·
Transição energética justa
Quanto a transição energética
justa, Moçambique procura inserir-se nas discussões globais sobre a transição
energética. Não só, Moçambique posiciona-se como um actor de transição
energética, implementando projectos para diversificar sua matriz energética. E
nesse âmbito, a transição energética que Moçambique se propõe fazer, e
impulsiona no âmbito internacional, é uma transição energética justa. É por
isso que se propõe usar o gás como energia de transição. Isso é, não vai
abandonar o gás, em detrimento das energias ditas limpas, pois precisa fazer
desenvolvimento; e os países hoje desenvolvidos usaram o petróleo e gás para o
desenvolvimento, dai o direito de Moçambique usar, igualmente, o gás, que é
percebido como das menos poluentes entre as energias fósseis.
Na verdade, Moçambique
pretende “uma transição energética justa, que permita a capitalização do
potencial económico dos países africanos com recursos energéticos em
desenvolvimento que, indubitavelmente, jogam um papel fundamental na segurança
energética global nas próximas décadas" (RTP Noticias, 2023)
O Chefe do Estado entende que África tem um
contributo insignificante nas emissões do carbono e é habitado por milhões de
pessoas que ainda não tem acesso a energia e ao mesmo tempo são vítimas de
ciclones tropicais e secas recorrentes com impacto na produção agrícola,
emprego para jovens e a qualidade da vida de milhares de pessoas dentro do
continente em relação a Europa. (…)
“Torna-se premente que se adopte uma transição
energética justa que permita a capitalização do potencial económico dos países
africanos com recursos energéticos em desenvolvimento que indubitavelmente
jogam um papel importante na segurança energética global das próximas décadas”,
sublinhou. (Presidência da República de Moçambique, 2023)
O facto de fazer essas
declarações no âmbito da cimeira dos BRICS, Moçambique percebe haver uma
coadunação entre sua perspectiva de transição energética e a perspectiva do
BRICS. Aliás, pelos projectos de IDE apresentados acima, percebemos que alguns
dos BRICS estão envolvidos na exploração de energias fosseis em Moçambique,
como Africa do Sul, India e Brasil. Portanto, Moçambique vê no BRICS uma fonte
de apoio para o desiderato de transição energética justa.
3.3.Desafios e Perspectivas da
Política Externa de Moçambique Para o BRICS
Face aos interesses expostos
acima, podemos resumir os desafios de Moçambique. Procurar reduzir os riscos
financeiros, facilitar o IDEe melhorar a gestão da Indústria Extractiva. Aliás,
Mosca considera que Moçambique é um país de elevado risco financeiro (Miguel, 2023). Existem diferentes riscos financeiros,
mas podemos aqui nos concentrar no Retorno Sobre o Investimento (ROI) que
acopla deversos outros. Assim, há necessidade de manter o pais estável para que
os investidores não receiem perder o investimento devido a guerra, conflito,
crise ou algum outro tipo de estabilidade Estatal ou social.
Outro desafio vai ser gerir a
aliança com os parceiros tradicionais, principalmente ocidentais. Esse desafio
nasce da divergência essencial entre o Ocidente (EUA, Europa) e o BRICS. Essa
divergência enquadra aspectos culturais, políticos e económicos. Aonde o
Ocidente exige um elevado nível de consideração quanto aos Direitos Humanos, o
BRICS é menos exigente, por exemplo. Se a princípio a escolha parece fácil a
fazer, há um aspecto importante que deve ser considerado: as ONGs. Isso porque
boa parte das ONGs em Moçambique são financeiramente suportadas por programas
de países ocidentais. Então, o Estado deve saber navegar suas escolhas de acção
exterior para manter os parceiros ocidentais, onde houver benefícios e
potencializar a cooperação com o BRICS. Deve então, moçambique, otimizar as
parcerias: Ocidente (G7, União Europeia) e BRICS.
Portanto, pode-se perspectivar
que com a crescente importância do BRICS, Moçambique estabeleça mais contactos
com os países que participam do BRICS, mas também com as instituições desse fórum,
como o Novo Banco de Desenvolvimento. É então provável que Moçambique solidifique
sua cooperação com os países do fórum BRICS, porquanto partilham o interesse de
ver um sistema internacional multipolar e igualmente defendendo uma transição energética
justa. Esses aspectos, presentes nos objectivos e interesses de Política
Externa de Moçambique para o BRICS encontram receção partilhada nos países desse
fórum.
IV.
Considerações finais
Uma primeira constatação deste
estudo é perceber que entre a governação Guebuza e a governação Nyusi
encontramos elementos de continuidade e ruptura. Na tabela abaixo percebemos
que o crescimento económico é um assunto que interessou tanto a governação Guebuza
assim como a governação Nyusi. Entretanto, a transição energética e a defesa do
multilateralismo são aspecto que não encontramos na Governação Guebuza, porém encontroamos
na Governação Nyusi.
Uma leitura resumida sugere
que o crescimento económico é continuo e não foi alcançado durante a governação
Guebuza, existindo assim a necessidade de o continuar. Contudo, a transição energética
começou a ganhar destaque nos debates internacionais depois da aprovação dos
Objectivos de Desenvolvimento Sustentavel (ODS), em 2015, ano em que o
Presidente Nyusi assume a liderança do Estado moçambicano. Paralelamente, a multipolaridade
é uma preocupação recente; é provável que não serviria os interesses de Moçambique,
falara da multipolaridade no início da década 2000, porém com a crescente importância
do BRICS e alternativa de investimento ocidental, é menos perigoso fazer
discursos apologistas de uma ordem internacional multipolar.
|
Governação |
Continuidade |
Ruptura |
|
Guebuza |
•
Crescimento Económico |
•
Transição
Energética •
Pro-multilateralismo |
|
Nyusi |
Tabela 1: elementos de
continuidade e ruptura entre as governações Guebuza e Nyusi.
Ao fim deste exercício intelectual,
importa sublinhar a dificuldade indissociável deste estudo: estudar política
externa de um Estado para um fórum, com característica de Organização
Internacional. Por um lado, em termos teóricos ainda existe a dificuldade de
ter um argumento completo e inequívoco sobre a Política Externa de Moçambique
para o BRICS, porquanto surge a questão, legitima, se é Política Externa para
cada país do BRICS ou para o fórum. A resposta provisoria é de que não se pode
falar de cada país sem falar-se do fórum.
Por outro lado, surge a pergunta
se se trata, efetivamente de Política Externa ou Orientação de Política
Externa. A resposta provisória considera que, na prática, é política externa de
Moçambique para o BRICS, pois temos um comportamento específico de Moçambique,
tanto para o fórum, por meio de suas cimeiras e eventos paralelos, mas também para
cada um desses Estados. Na visão actual deste estudo, não se pode dissociar cada
Estado, do fórum, sobretudo quando encontramos linhas de continuidade da ação
dos Estado e do fórum, como por exemplo a revisão da ordem internacional.
Ademais, se na prática pode-se
assumir facilmente tratar-se de uma Política Externa, é provável que em termos teóricos,
dentro da disciplina de Relações Internacionais, a dificuldade seja acrescida,
pela natureza do BRICS, pois tradicionalmente a Política Externa visa atores
como Estados (de forma singular, e talvez por isso, quando há associação de
Estados se indaga ser Orientação de Política Externa), Organizações
Internacionais, Organizações Não Governamentais e Empresas Multinacionais. Agora,
Política Externa para um conjunto de Estados? Qual é a validade teórica desse fenómeno?
Eis uma questão que merece aprofundamento rigoroso.
V.
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[1]
Estado é uma unidade política inserida num território, com população, poder
político organizado e reconhecimento internacional.
[2] As OI
devem ter, de forma cumulativa os seguintes elementos: acto constitutivo, sede,
órgãos próprios.
[3] Por
“sul global” refere-se aos países em desenvolvimento, do continente africano,
sul da Ásia e América Latina.
[4] Paulo
Mateus Wache, Iare Batista Lundin, Valter Fainda e Sérgio Gomes escreverem em
2014 o livro “As Potencias Emergentes na Construção da Multipolaridade
Inclusiva, Uma Abordagem Comparativa das Políticas Externas dos BRICS”. Nessa
obra, os autores estudam, meticulosamente as PE das potencias emergentes, i.e.,
BRICS, incluindo a PE de cada uma dessas potências para Moçambique.
[5] ZECA,
E. J. (2013), Relações Internacionais: Natureza, Paradigmas e Assuntos
Transversais, Plural Editores, Maputo.
[6]“República
do Biafra teve uma existência efémera entre 30 de Maio de 1967 e 15 de Janeiro
de 1970. (…) A crise do Biafra começou em 1966 na sequência de uma tentativa
falhada de golpe de Estado na Nigéria. A maioria dos oficiais superiores
envolvidos pertencia à etnia ibo (cristãos do Biafra), a elite do país. No
rescaldo do golpe, 30 mil ibos foram massacrados (…). Oito milhões de ibos
viviam na região oriental da Nigéria que tinha como governador provincial o
coronel Chukwuemeka Odumegwu (Emeka) Ojukwu. Foi ele que declarou a
independência da região a 30 de Maio de 1967. Em 1970, a catástrofe humanitária
do Biafra assumia dimensões bíblicas. Quando a região foi reintegrada na
Nigéria tinham morrido cerca de três milhões de pessoas e a imagem da tragédia eram
os campos de refugiados com milhares de crianças famélicas. (…) Em 1980, o
Governo nigeriano concedeu um perdão a Ojukwu” que passou a gozar de um
estatuto de ex-estadista e vivendo confortavelmente em Enugu, a antiga capital
do Biafra. (Soares, 2010)
[7] A
ruptura sino-soviética é o fenómeno de degradação das relações entre a
República Popular da China e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
durante a guerra fria. Precisamente, esse fenómeno ocorre na década 60 com
acusações chinesas de que a URSS estava a desviar-se do curso histórico,
tradicional e original do socialismo, culminando num confronto efémero entre os
respectivos exércitos em 1969. (The "Great Debate", Documents of the
Sino-Sovietic Split, n.d.)
[8]
Pode-se notar algum anacronismo, escrevendo sobre Interesse Nacional da
FRELIMO, porem, note-se que a FRELIMO também funcionou como proto Estado moçambicano.
[9]Resumidamente,
o conflito no Vietname, ocorrido entre 1954 e 1975 opôs o Vietname do Norte,
socialista, ao Vietname do Sul (capitalista). No Vietname do Sul, a guerra era
movida pelo Viet Kong (nome relativamente pejorativo do grupo rebelde
socialista) com apoio do Vietname do Norte e outros países socialistas. O
regime do Vietname do Sul era apoiado pelos países capitalistas, principalmente
Estados Unidos da América (EUA), que mantinha conselheiros militares e a partir
de 1965 começou a enviar soldados para ajudar a luta do Vietname do Sul
(Spector, 2023).
[10] Com
China e Rússia, Moçambique partilha a história de luta contra o imperialismo e
colonialismo; com Brasil, Moçambique partilha a língua portuguesa; e com África
do Sul, Moçambique partilha a fronteira sul.
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