Impacto ecológico e impacto ambiental: falamos do mesmo fenómeno?

Muitas vezes usamos inadvertidamente as noções de impacto ecológico e impacto ambiental. Poucas vezes, entretanto, nos indagamos se existe aí uma relação de sinonímia. Vejamos de forma breve e exemplificada a diferença e semelhança entre ambas ideias. A pertinência dessa análise fundamenta-se no facto dessas palavras estarem constantemente a ganhar uso devido ao desiderato do desenvolvimento sustentável, qual acompanha as nossas vidas, directa ou indirectamente.

Talvez, antes, seja prudente voltar aos conceitos de ecologia e de ambiente. Por um lado, ultimamente a palavra ambiente tornou-se polissémica. Mas atentemos para a definição de Canivet, Lavrysen e Guihal (27 :2006) que consideram o ambiente como aquilo que nos circunda. Primeiro, acaso informar que a ideia inicial sobre o que nos circunda está relacionada à aspectos naturais, isso é, que não foram produzidos pelo Homem. Segundo, de forma quase desafiadora a ideia precedente, temos de notar que, nós somos também circundados por aspectos artificiais semelhantes ou não aos naturais.

Por isso, o ambiente é o conjunto desses dois elementos. Elementos naturais (como por exemplo, oceanos, florestas, dunas, etecetera) e elementos artificiais (como por exemplo, lagos artificiais, jardins, infraestruturas diversas). E esses elementos podem ou não estar em interação. Então o ambiente é tudo o que nos rodeia independente da sua essência natural ou artificial.

Por outro lado, ecologia é percebida como o estudo da interação entre diferentes organismos e entre esses e o meio aonde se encontram. Inicialmente ela significava o estudo dos habitats naturais dos seres humanos, visto que etimologicamente ‘eco’ nos leva ao grego ‘oikos’ que significa ‘casa’. (Coquillard, s/d: 1). Então, analisemos que primitivamente, o habitat natural do Homem era o campo, mas com a evolução, talvez a cidade vem substituindo esse postulado. E quem fala de evolução, fala de artificialidade. E como para corroborar a ideia de artificialidade, olhe-se para as cidades actuais.

Adicionalmente, ecossistema é dos principais conceitos em ecologia. Ecossistema refere-se à soma de interações entre biótipo (meio de vida) e biocenose (organismos vivos). Isso é, conjunto de populações que interagem num meio e seu ambiente (Chave et Giraud;18; 2009). Muitas vezes se considera a ecologia como geral e o ecossistema como específico. Uma nota: a ecologia surge da biologia, emancipa-se da biologia.  

Acrescentemos dois conceitos para melhor perceber o pensamento do texto: biodiversidade e impacto. Biodiversidade significa a diversidade dos organismos vivos (Chave et Giraud, 2009, 16). Impacto, nos remete a ideia de choque. Mas o impacto normalmente deve ser ressentido pelo objecto/elemento que sofre tal fenómeno, tal choque; e por ser ressentido, muitas vezes ele é ou positivo ou negativo. Mas neste texto, nos limitaremos a ideia de impacto apenas, sem considerações normativas.

Avançando, Paul Veyne, apud Savarese (2006:97) considera que “ter conceitos é conceber as coisas”. Nessora, nós já temos os conceitos; podemos agora conceber impacto ambiental e impacto ecológico. Então, quid júris? falaremos da mesma situação quando nos referimos ao impacto ambiental e ao impacto ecológico? Pois bem, estamos face a uma linha por vezes muito ténue.

A ecologia é muitas vezes considerada como um ramo de estudo, e não um aspecto existente no mundo per se. E é altamente razoável, esse pensamento. Pois ela surge de uma outra ciência, a biologia. Entrementes, o meio ambiente é algo que existe per se, antes de se tornar numa disciplina. É alheio à academia, na sua forma primitiva. Todos nós temos meio ambiente, estamos inseridos num meio ambiente, somos um meio ambiente. Mas não podemos considerar o mesmo acerca da ecologia – que temos ecologia? Que estamos inseridos numa ecologia? que somos ecologia? É um antilogismo, pois não? Pois, a ecologia é o instrumento que nos permite estudar parte do meio ambiente. Então, se nos atentarmos apenas para essa distinção, é tecnicamente errado falar de impactos ecológicos para nos referirmos aos impactos ambientais. Mesmo se a ecologia vai estudar tais impactos ambientais.

Por exemplo, a destruição de um prédio sem nenhum organismo vivo dentro dele é um impacto ambiental. Porquanto afecta o ambiente das pessoas circundantes, por meio das partículas misturadas à betão que se vão espalhar pelo ar, por exemplo. Mas a destruição de um prédio sem nenhum organismo vivo dentro dele não é um impacto ecológico. Isso porque, a destruição de um prédio sem nenhum organismo vivo dentro dele apenas vai se tornar impacto ecológico, se a disciplina ecológica for estudar como a destruição de tal prédio afecta o ambiente do bairro Y, da cidade Z, ergo, das pessoas nessas zonas, etecetera.

Esquematizemos ainda mais, com todos riscos que dessa modalidade advém. Impacto ambiental é todo acontecimento que vai afectar um ambiente, um meio de vida (artificial ou natural). E como, de forma resumida[1], a ecologia estuda parte do meio ambiente (organismos vivos e seu meio de vida), muitos impactos ambientais são estudados pela ecologia, por isso bastantes vezes usamos essas palavras como sinonimas, o que vimos que não são.

Todavia, se nos apetecer ser condescendentes, indulgentes, consideraríamos que todo impacto ambiental é também ecológico, pois a ecologia é parte do ambiente, via ecossistemas. Depois, a ecologia estuda o meio ambiente. E por força de linguagem, usamos “impacto ecológico” para significar impacto ambiental, o que muitas vezes é mal-adaptado, como vimos acima, porquanto a ecologia vai estudar qual é o impacto ambiental ou sobre o ambiente.

In fine, essa é uma discussão inacabada, e com diferentes abordagens à se seguir. Aqui apenas fizemos uma introdução à essa altercação epistemologicamente interessante. Se tivéssemos de optar por uma das duas, entretanto, ficaríamos com impacto ambiental e esqueceríamos “impacto ecológico”. Deixávamos a ecologia livre, para estudar os impactos ambientais. 

 

Referencias bibliográficas (e sitográfica) – fontes secundárias.

1.      CANIVET Guy, LAVRYSEN Luc, e GUIHAL Dominique, Manuel Judiciaire de Droit de l’Environnement, Nairobi, Programme des Nations Unies Pour l’Environnement – UNEP (2006), Manuel basé sur le UNEP Judicial Handbook on Environnemental Law écrit par DINAH Shelton et ALEXANDRE Kiss;

2.      CHAVE Jérôme e GIRAUD Tatiana, (2009), Biodiversité, écologie et environnement.

3.      COQUILLARD, Patrick, Introduction à l’écologie scientifique – Cours de Biologie et Ecologie végétale.

4.      Educação CC, Conteúdos e Educação, (2020), Diferenças entre Ecologia e Meio Ambiente, Bioma e Ecossistemas, consultado a 3 de dezembro de 2020, pelas 20h21, https://www.educacao.cc/ambiental/diferenca-entre-ecologia-e-meio-ambiente-bioma-e-ecossistema.html .

5.      SAVARESE, Eric, (2006) Méthodes des Sciences Sociales, Paris, Ellipses.



[1] De forma resumida porque de forma alargada, podemos verificar que a ecologia estuda os aspecto artificias, quando esses fazem parte ou interferem na vida dos organismos vivos, pois se tornam “meio de vida”. Uma cadeira que o homem utiliza para sentar, por exemplo.


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