Da necessidade de uma reconceptualização do “lixo”
Da necessidade de uma
reconceptualização do “lixo”
Os conceitos ajudam-nos
a perceber e forjar a nossa representação do mundo. Eles permitem que se crie
uma relação entre a ideia e a matéria. Começam essa projeção do entendimento
para a agentividade. Por isso os usamos. E por isso o conceito de “lixo” merece
uma revisão. Aliás, ousemos: uma reconceptualização.
O lixo é comumente conceptualizado
como “[r]esíduo [isso é, resto] resultante de actividades domésticas,
comerciais, industriais, etc., e que se deita fora.; detritos, sobras.”
Entretanto, num mundo
com recursos limitados essa definição pode causar problemas cognitivos. Como
usar e deitar sem limites, se os recursos para fabricar o que usamos e deitamos
e deitamos, são limitados? Pensemos nessora alternativamente, de forma prática.
Pensemos em reduzir a quantidade de lixo e eventualmente eliminar. Mas para
chegarmos para a prática, precisamos passar pela teoria. E por isso, a ideia de
reconceptualizar lixo pode ser razoável.
O objectivo dessa
reconceptualização é fazer com que possamos aproveitar o que hoje consideramos
lixo. Porquanto se o que hoje é lixo amanhã deixa de ser lixo, poderá então ser
usado como qualquer outro objecto, como um recurso, reduzindo assim gastos
económicos e prevenindo eventual saturação ambiental. Isso porque a gestão de
lixo, quando descontrolada, pode ocasionar problemas ambientais. E para o
contexto do nosso país, aonde por vezes recursos financeiros são escassos, essa
necessidade de poupança e de dificultar a deita de objectos pode se mostrar
instrumental para elevar o nosso bem-estar.
Complementarmente,
importa mencionar que o “(…) lixo é sem dúvidas um dos maiores problemas
sociais da atualidade. Cólera, disenteria, febre tifoide, filariose, giardíase,
leishmaniose, leptospirose, peste bubónica, salmonelose são apenas algumas das
doenças relacionadas ao lixo doméstico”
Todavia, os parágrafos
acima parecem transparecer a ideia de reciclagem. Não, o reconceptualizar do
lixo não pode nos limitar para reciclagem. Isso porque, “(…) reciclagem é o
processo de aproveitamento de resíduos que envolve a alteração de suas
propriedades físicas, físico-químicas ou biológicas” (ibid). A
reconceptualização do lixo, pode, no entanto, integrar a reciclagem e outras
técnicas que permitam a reutilização do que hoje chamamos de lixo. Mas vai além
delas.
Assim, por reconceptualização
se quer dizer o abandono da ideia de que os produtos podem apenas ser usados
uma vez e a introdução da ideia de que os produtos podem ser sempre usados e
reusados. Porquê pensar assim? Porque se usarmos ao infinito os productos, (i) propiciaremos
uma maior criatividade à nossa sociedade, (ii) reduziremos os gastos para
adquirir novos productos, (iii) e por consequência reduziremos o impacto
ambiental adverso causado pelo que chamamos hoje de lixo. E se naturalmente
esses processos são possíveis, então apenas precisa-se de um compromisso
social.
Esses três pontos têm
intrinsecamente efeitos positivos secundários. Pois, a criatividade não vai
limitar-se ao que percebemos hoje como “lixo”, na medida que criatividade é um
processo arborescente; uma criatividade leva para outra. Seguidamente, pouparemos
na aquisição de novos productos como exposto acima. Desse modo,
redirecionaremos para outras actividades as finanças poupadas. E se isso começa
pelo individuo, é um processo extensível aos grupos e entidades publicas e privadas.
Teremos assim a possibilidade de criar uma sociedade mais economicamente
sóbria. Por fim, é um tanto quanto evidente que todos esses aspectos podem nos
fazer transitar para uma sociedade ambientalmente sustentável. E se alcançarmos
a sobriedade económica, facilmente alcançaremos a sobriedade ambiental. Cá é
pertinente expor a sobriedade intelectual, facilmente alcançável pela constante
inventividade acima mencionada.
Finalmente, o conceito
de lixo, como percebido acima, é estritamente material. Mas nós temos uma vida imaterial,
igualmente. Indaguemo-nos, quantas vezes produzimos lixo imaterial? Pois é, o
conceito de lixo encontra limites não apenas no estado natural dos fenómenos humanos,
mas também no estado imaterial. Observemos a necessidade de sua
reconceptualização. Podemos assim terminar com uma frase instrutiva de Robin
Nigal: “trash does not existe, we could decide: it is not trash. It is simply
something in between my use and the next use” (lixo não existe,
nós podiamos decider: não é lixo. É apenas algo entre o meu uso e o próximo uso). Portanto,
paremos de usar a designação “lixo”. O que usaremos por substituto? Bem,
apelemos à nossa inventividade. Entrementes, por enquanto, fiquemos com a ideia
de reutilizável.
Referências
1. Dicionario
Priberam. (2020, setembro 19). Dicionario Priberam. consutado no
dicionario.priberam.org: dicionario.priberam.org>lixo
2. Machado,
G. B. (2020, setembro 19). Portal Residuos Solidos - PRS. consultado no
potalresiduossolidos.com: portalresiduossolidos.com>o-que-e-lixo-?
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