Não somos tão pobres como se diz! O Que o Ciclone IDAI nos mostrou.

Não somos tão pobres como se diz

 

Marcado na memória dos moçambicanos, 2019 é o ano que nos lembra a infeliz ocorrência do ciclone IDAI. Mas diz o milenar ditado: todo mal vem com o bem. Mais perspicaz ainda, outro ditado árabe considera que “com a adversidade vem a facilidade”. O ciclone IDAI criou destruição, certo. Destruição humana e material. Perdemos vários compatriotas, que contribuíam para a diversidade e o desenvolvimento do nosso rico país. Perdemos também infraestruturas de diversa função. Perdemos estradas, escolas, centros de saúde, centros comerciais e outros serviços. À perca de tudo isso acrescenta-se uma outra perca que, no entanto, é paradoxalmente um ganho; um ganho que, na verdade nunca foi perdido.

Ganhamos riqueza. Qual? Face aos rastros de destruição e sofrimento causado pelo IDAI, como pensar em ganhos daí decorrentes? Sim, ganhamos uma riqueza que nunca a perdemos. Ganhamos a desconstrução de que somos pobres. Quando surgiu a ideia de que somos pobres, não se sabe. Mas há décadas que essa ideia se intensifica. Intensificou-se até chegar o IDAI. O ciclone IDAI não sou destruiu vidas e infraestruturas, ele destruiu também a errónea percepção de que Moçambique é um país pobre.

Quando sucedeu o IDAI eu não vi pobreza. Aliás, a ideia de pobreza não passou pela minha cabeça. Como poderia? Se eu vi compatriotas, do Rovuma ao Maputo, do Zumbo ao Indico, tirando o pouco que tem e enviando para Sofala, Manica. Eu vi mobilizações nas redes sociais, vi mobilizações na estrada, vi mobilizações de moçambicanos no estrangeiro mais distante de Moçambique e de moçambicanos no interior mais profundo de Moçambique. Todas essas mobilizações conjugavam uma ideia: ajudar os irmãos que precisavam de ajuda. Saíram voluntários, saíram caixas cheias de alimentos, saíram caixas cheias de vestuário, saíram inumeráveis bens matérias de várias regiões do país e do mundo, em direção as províncias assoladas pelo IDAI. Como podiam pessoas pobres ser capazes de actos tão nobres? Não, não somos pobres e o IDAI nos ajudou a ver isso.

Certamente alguns podem dizer que a ausência de bens materiais constitui pobreza. Existe legitimidade nesse argumento. Mas essa legitimidade perde-se na simplicidade do mesmo argumento. Como se pode reduzir riqueza, um conceito tão rico (que paradoxalmente, não existe outra palavra para adjectivar riqueza, senão rico) para apenas bens materiais? É certamente uma pobreza da condição humana, reduzir riqueza ao acesso de bens materiais. Riqueza é mais do que isso.

De outro modo, a ausência de compaixão, a ausência de empatia e solidariedade é a mais terrível e temível pobreza. Pois, sem estas qualidades, mesmo que existam bens matérias, continua-se pobre. Como alguém que tenha elevados bens matérias, mas é desprovido de humanismo, filantropia e sentido patriótico, pode ser uma boa influência na sociedade? Como pode esse Humano ajudar no desenvolvimento da humanidade? Se os bens que tem apenas servirão para seu ego e nada além disso? Inversamente, aqueles para quem a vida não proporcionou possessões materiais elevadas, mas deu-lhes os valores morais mais altos, esses que estão dispostos em ajudar aos outros independentemente da sua própria situação, esses continuam pobres? Existindo resposta afirmativa para esta questão, o estado do mundo é que se encontra pobre. A condição humana deteriora-se.

Nos diziam antes do IDAI, durante o IDAI e outros ainda, depois do IDAI; nos diziam por meio dos órgãos de informação que um dos países mais pobres foi assolado por uma calamidade. Mas não nos disseram, nem antes, nem durante e nem depois do IDAI; não nos disseram que nesse país, há o sentimento de partilha, não nos disseram que nesse país há o sentimento de compaixão e, sobretudo, esse não é um país pobre. Não nos disseram que os pobres desse país saíram em socorro de outros pobres desse mesmo país. Não nos disseram que esse país, que esse extenso e vivo Moçambique não pode ser classificado como pobre pois as suas pessoas, o bem mais precioso que um país pode ter, as suas pessoas são ricas e exemplos de superação para o mundo inteiro.

Nos disseram e ainda nos dizem. Nos disseram que não temos o que os outros têm. Nos dizem que não ter o que os outros têm, nos torna pobres. Eis o problema: nos disseram, nos dizem. E nós, o que nós dissemos? Comparam a nossa rica riqueza com a riqueza dos outros. Estabeleceu-se a doxa da riqueza material. Mas a riqueza material é, por vezes, alheia para nós. Porquê não falamos de vários tipos de riquezas? Ao menos, além da riqueza material, que se fale da riqueza espiritual, que se mencione a riqueza emocional, que se discuta a riqueza cultural, que se partilhe a riqueza social. Que ensinemos as riquezas do IDAI.

Como pode um povo que foi atingido por um ciclone tão potente como o ciclone IDAI, continuar a sorrir? Como podem os moçambicanos que perderam quase tudo, materialmente falando, continuar com sonhos iluminados? Sim, materialmente falando, pois não perdemos esperança num futuro melhor, não perdemos fé na ajuda divina, não perdemos fé na ajuda humana dos nossos irmãos. Pois vimos reportagens de crianças que, no dia seguinte depois da passagem do ciclone IDAI, brincavam e quando entrevistadas falavam dos seus objectivos futuros.

O ciclone IDAI nos ajudou a dizer algumas coisas. Coisas que já eram visíveis mesmo antes da passagem do ciclone IDAI. Coisas que, entretanto, não eram mencionadas. Nós dissemos que há várias riquezas e nós somos detentores de muitas delas. Nós dissemos que temos riqueza espiritual, que temos riqueza social, que temos riqueza emocional. Mas temos tantas outras riquezas que são frequentemente mencionadas. Pois, é preciso ter essas todas riquezas para reerguer-se de uma catástrofe como foi o ciclone IDAI.

É comumente aceite a ideia de que nós somos o que pensamos. E se nós somos o que pensamos, porquê não pensamos nas riquezas que temos em nosso dispor? Porquê não pensamos na nobreza que o IDAI nos mostrou ser parte do nosso dia-a-dia? Porquê esquecemos o que o IDAI nos ensinou? Se nós somos o que pensamos, então pensemos nas riquezas que nós temos e talvez assim não seremos tão pobres como se diz que sejamos. Pois, além de ser, é interessante parecer.

Moçambique, Moçambique e os moçambicanos, meus irmãos, são extremamente ricos!

Ah, irmãos, não somos tão pobres como se diz. Somos tão ricos como não se diz.


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