A INFLUÊNCIA DA DEGRADAÇÃO DOS ECOSSISTEMAS SOBRE AS DOENÇAS ZOONÓTICAS

A INFLUÊNCIA DA DEGRADAÇÃO DOS ECOSSISTEMAS SOBRE AS DOENÇAS ZOONÓTICAS

Neste texto discute-se a influência da degradação dos ecossistemas na possibilidade de propagação de doenças zoonóticas. Desse modo, urge primeiramente aludir à concepção de ecossistemas. Nos últimos tempos, é recorrente falar-se das mudanças climáticas e dos danos que esta causa aos ecossistemas. Na verdade, a degradação dos ecossistemas é corolário das alterações climáticas e perca de diversidade. Ecossistemas sãos “conjuntos dinâmicos de organismos vivos (plantas, animais e micro-organismos) que interagem entre eles e com o meio (sol, clima, água, luz) no qual eles vivem.” (www.planete-sciences.org[1]). A comunidade de seres vivos, ou os organismos, é chamada de biocenose, enquanto os meios onde esses seres vivos vivem é chamado de biótipo. Por isso, frequentemente se considera ecossistema como o conjunto de biocenose e biótipo. Existem dois grandes ecossistemas: aquático (mar, lago, rio, lagoa, etcetera) e terreste (florestas, faunas; etecetera).

Seguidamente, as doenças zoonóticas, também chamadas por zoonoses (por isso, doravante, se vai usar inadvertidamente zoonoses ou doenças zoonóticas), são consideradas pela Organização Mundial de Saúde (OMS[2]) como “doenças e infecções naturalmente transmitidas entre pessoas e animais vertebrados.” E a OMS acrescenta que existem três classes dessas doenças: a) zoonoses endémicas quais estão presentes em muitos lugares e afectam várias pessoas e animais; b) zoonoses epidémicas que são esporádicas na distribuição no tempo e espaço; e c) zoonoses emergentes e ré-emergentes quais aparecem de forma nova na população ou tenham existido, mas tem aumentado rapidamente em incidência ou abrangência geográfica (ibid).

Ainda segundo a OMS (ibid) exemplos dessa terceira classe de zoonoses são: febre do Vale do Rift, SARS (do ingles Severe Acute Respiratory Syndrome) que em português significa Síndrome de Respiração Severa Aguda), influenza pandémica H1N1 2009, febre amarela, influenza aviária (H5N1) e (H7N9), vírus do oeste do nilo, e o Síndrome Respiratório do Médio Oriente Coronavírus – Middle East Respiratory Syndrome Coronavirus (MERS-CoV). É estimado que anualmente ocorrem cerca de um milhão de mortes causadas por zoonoses e cerca de 60% das novas doenças infecciosas são zoonoses (ibid). Um asterisco a definição de zoonose da OMS, para acrescentar que existem opiniões que não restringem a zoonose aos animais vertebrados, incluindo os invertebrados também.

Importa lembrar que zoonoses são tão antigas quanto o contacto entre pessoas e animais, por isso deve-se atentar para não fazer uma ligação directa entre mudanças climáticas de caracter antropológico e ocorrência de zoonoses. Todavia, não se pode negligenciar que essa relação – entre mudanças climáticas de caracter antropológico e aumento de zoonoses – existe e é factual. E resultante das mudanças climáticas de caracter antropológico, o que se destaca quando ligamos às zoonoses é a degradação dos ecossistemas.

Uma vez revistos esses conceitos de ecossistema e zoonoses, voltamos a questão inicial: como a degradação dos ecossistemas influencia o aumento das doenças zoonóticas? Bem, não existe uma resposta simples para esta questão, e também não existe “A resposta”. Porém, podemos avançar elementos que nos ajudem a responder e começar a perceber essa relação que é uma preocupação para a saúde ambiental e a saúde publica. A tese razoável, e que encontra elementos científicos que a sustentam é a de que devido a degradação dos ecossistemas, as zoonoses aumentam, porque os animais saem dos seus habitats naturais (anteriores ecossistemas) e vão à procura de novas áreas para habitar (novos ecossistemas), o que pode os aproximar aos locais habitados pelas pessoas, desse modo facilitando o contacto entre ambos.

Voltemos um pouco aos ecossistemas. Quando os ecossistemas estão estáveis, dificilmente as comunidades do mesmo saem para outras áreas. Pois podem satisfazer suas necessidades vitais naquele ecossistema. Por exemplo, animais que habitam em uma floresta, não sairão da floresta enquanto todas condições vitais estiverem presentes, salvo raros casos. Entretanto, o impacto das mudanças climáticas – em parte causadas pelo homem – muda a estabilidade dos ecossistemas. Pois, quando há um aumento ou redução da temperatura, as diferentes comunidades e/ou organismos fogem do seu habitat natural, que já não é tão natural como antes, e procuram outras áreas para habitar.

Voltando ao exemplo dos animais que habitam a floresta, assim que a floresta começa a ser desflorestada ou a temperatura média da mesma aumenta, esses animais vão sair em procura de melhores condições, pois sentem uma ameaça existencial. Então é nessa procura de novas áreas para habitar que existe o risco de aumentar o contacto com o homem. Efectivamente, os organismos vertebrados deslocam-se com facilidade para lugares próximos da habitação humana, procurando melhores condições de sobrevivência; aliás, as comunidades humanas tendem também a aumentar. E se esses animais forem portadores de alguma doença, pelo contacto próximo que já existe com as pessoas, facilmente podem a transmitir ao Homem. Inversamente, se com a degradação dos ecossistemas os animais não saem para procurar novas áreas, nos casos de deflorestação por exemplo, esse contacto com as pessoas é passível de aumentar pois as áreas residências ou industriais humanas vão aproximar-se dos animais.

Mas, antes de prosseguir com a dissertação, talvez seja necessário trazer mais três ou quatro exemplos de zoonoses que sejam parte da nossa realidade, sem alguma sequência lógica. Primeiro, malaria que é transmitida pelo mosquito. Segundo, raiva que é transmitida pelo cão. Terceiro, teníase ou teias, transmitidas pelo porco e/ou javali. Ou ainda o quarto, doença do sono, transmitida pela vaca. Estes quatro exemplos são para elucidar o conceito de zoonose, doenças transmitidas entre animais e pessoas.

Prosseguindo, note-se que ou as pessoas aproximam-se aos habitats dos animais ou os animais aproximam-se aos habitats humanos. Mas o que existe em comum nesses dois casos é que nós, pessoas, podemos controlar essa aproximação com o objectivo de prevenir a eclosão ou expansão de determinadas doenças zoonóticas. Além disso, basta olhar para a evolução das zoonoses nos últimos anos, percebe-se uma relação com o meio ambiente, com as mudanças climáticas, sobretudo com a degradação dos ecossistemas. Veja-se a curta lista da OMS; boa parte das zoonoses descritas nela são recentes, ou agudizaram-se recentemente.

É evidente que o que causa a degradação dos ecossistemas não é apenas a acção dos humanos, podendo ocorrer situações estritamente naturais – espécies invasoras que não se conheça a origem, sucessão ecológica ou outros fenómenos. Entretanto, as consequências da degradação dos ecossistemas ligada ao provável aumento das zoonoses é percebido e pode ser gerido pelos humanos. E isso é o mais importante: perceber o problema. Pois, só podemos melhorar o nosso bem-estar se soubermos como resolver ou minimizar os problemas que nos afectam. E as zoonoses, são facilmente transmitidas; é suficiente olhar para o novo coronavírus (Covid-19).

Finalmente, na tentativa de perceção do Covid-19 ou SARS-CoV-2, o antigo é MERS-CoV, uma matéria publicada neste mês de março, no The Guardian (the guardian.com[3]), considera que o Covid-19 é uma família de vírus que podem causar doenças e podem passar de animais para humanos e embora ainda não se sabe ao certo o animal que tenha transmitido o vírus para o paciente zero humano, sabe-se que é uma zoonose. Isso já nos permite acautelarmo-nos para evitar futuros surtos de zoonoses. A prevenção é sempre melhor que a remediação, e tal não podia se aplicar melhor para o nosso país, Moçambique.

Portanto, para evitar o aparecimento de zoonoses ligadas à degradação dos ecossistemas parece-me que algumas medidas podem ser eficientes e, principalmente, ao nosso alcance. Em primeiro lugar, existe a necessidade de preservar o nosso meio ambiente, o próximo e o distante, na medida do possível. Isso porque em termos ambientais não existem fronteiras. Preservando o meio ambiente imediato já é um passo positivo, mas quando preservamos o meio ambiente distante, garantimos maior sustentabilidade. aqui, nesta preservação ambiental, destaca-se o respeito aos ecossistemas naturais. E essa preservação pode ocorrer respeitando também as nossas tradições, pois as comunidades muitas vezes são detentoras de mecanismos eficientes de equidade do ecossistema, nalgumas vezes, têm modelos melhores que os importados, catalogados de científicos. E, a nível institucional, formal, Moçambique já controla diferentes zoonoses: raiva, malaria, etecetera.

Depois, é importante que se sigam as medidas fitossanitárias das autoridades de relevância internacional e nacional, OMS, IPCC, e Ministério da Saúde (MISAU) e Ministério responsável pelo Meio Ambiente, respectivamente, para mencionar algumas. Adicionalmente, importa aumentar os cuidados relativos ao contacto animal, principalmente animais que estejam patenteados como portadores de alguma zoonose, e os selvagens, pois conhecemos menos estes últimos. É ainda preciso respeitar as restrições governamentais de acesso aos diferentes ecossistemas.

Por fim, depois dessa curta discussão é possível perceber dois elementos. 1.as zoonoses, tanto as causadas pela degradação dos ecossistemas como outras, apesar de facilmente disseminadas, podem ser prevenidas e/ou controladas; entretanto 2.quando a prevenção falha, as doenças zoonóticas podem causar impactos negativos de magnitude elevada: olhe-se para como o Covid-19 tem afectado o normal andamento das actividades. A esses elementos vem acrescentar-se o fio condutor do presente texto: quando degradamos os ecossistemas, podemos estar a criar um problema de saúde ambiental e de saúde pública, propiciando a emergência de zoonoses desconhecidas; problema que depois torna-se difícil de remediar. Por isso, é imperioso preservar os ecossistemas. E porque estamos actualmente face à uma epidemia do tipo zoonose, permitam-se finalizar com uma curta digressão: importa relembrar aos compatriotas que  a responsabilidade de prevenção do Covid-19 não é apenas do Estado, aliás somos todos parte do Estado, logo, cada um de nós é também responsável para o controlo das zoonoses em geral e do Covid-19, em particular; e, basta cada um de nós seguir as medidas de prevenção que podemos passar à margem dessa pandemia.

 

Referencias

1.      OMS, (2020), Zoonotic disease: emerging public health threats in the Region, Comité regional – Sixty-first session.

2.       THE GUARDIAN, consultado no dia 20 de março de 2020, pelas 16h24. A matéria intitulava-se “From ancestral strain to zoonosis: a coronavírus glossary”.

3.      PLANETE ECOSSYSTEMES, consultado no dia 20 de março de 2020, a matéria tiha como título “ecossystèmes”.

4.      OBS, www.nouvel.obs.com, consultado no dia 19 de março de 2020.

5.      TEARFUND, www.tearfund.com, consultado no dia 19 de março de 2020.



[1] Consultado no dia 20 de março de 2020

[2] Consultado no dia 20 de março de 2020 – www.emro.who.int

[3] Consultado no dia 20 de março de 2020.


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