Conflito, Guerra ou Operação Especial: O que Caracteriza a Actual Relação Russo-Ucraniana?

 

Desde Fevereiro de 2022 a relação entre Rússia e Ucrânia observou uma metamorfose quase inesperada. Aliás, a qualidade “inesperada” dessa metamorfose, pode ser reduzida quando percebemos que em 2014, houve uma ruptura das relativamente boas relações entre Rússia e Ucrânia, aquando da anexação da Crimeia pela Rússia. Assim, a partir de 24 de Fevereiro de 2022, Rússia e Ucrânia tiveram o status de sua relação alterada: Rússia, por meio do seu Presidente, Vladimir Putin, lançou uma “operação especial” para a Ucrânia.

Porém, Ucrânia percebe que foi invadida; percepção partilhada por vários outros Estados, como por exemplo os membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). E quem pretende alguma neutralidade face a beligerância russo-ucraniana chama-a de conflito. Finalmente, quem percebe a existência de duas partes que usam respectivos exércitos uma contra outra, a chama de guerra. Porquê diferentes conceitos para o mesmos fenômeno? É essa questão que procuramos oferecer elementos de resposta.

Desse modo, procuramos neste ensaio oferecer clareza quanto ao uso dos termos conflito, guerra e operação especial para a relação russo-ucraniana actual. Oferecemos uma noção geral de cada conceito, supramencionado, e depois a relacionamos com a relação actual entre Rússia e Ucrânia. Por fim esclarecemos a (não) aplicação dos conceitos acima mencionados para a relação russo-ucraniana.

Primeiramente, tomemos conflito como ausência de paz e existência de desentendimento e/ou violência, seja estrutural (social, psicológica...) ou física (COSTA, 1996). Com base nessa definição, podemos considerar que a relação entre Rússia e Ucrânia, desde Fevereiro de 2022, é conflituosa; i.e., há um conflito, porquanto verificamos ausência de paz e ocorrência de violência física, estrutural e psicológica. Essa violência é infligida pelo exército russo sobre o ucraniano e vice-versa.

Seguidamente, pode-se definir guerra como “violência entre conjuntos políticos, em que o recurso à luta armada constitui, pelo menos, uma possibilidade potencial, visando um determinado fim nos limites da política” (Fernandes, 2021). No caso do conflito russo-ucraniano, estamos igualmente perante uma guerra, na medida em que duas unidades políticas, Estados, Rússia e Ucrânia, recorreram à luta armada e violenta para alcançar fins que politicamente – sem recurso à guerra – se mostravam difíceis de alcançar. Por exemplo, por um lado, a justificativa usada pelo presidente russo para lançar a operação especial na Ucrânia foi a necessidade de “desnazificar” e “desmilitarizar” o regime de Kiev (BBC, 2022). E esse objetivo não foi alcançado politicamente, sem recurso à luta armada. Por outro lado, Ucrânia luta contra as forças russas com recurso à luta armada.

Por fim, operação especial é uma atividade militar conduzida por forças especialmente designadas, organizadas, treinadas e equipadas usando técnicas e métodos de emprego distintos (NATO, 2023). E esse conceito igualmente se aplica para a relação entre Rússia e Ucrânia. Isso porque, verificamos que no conflito e guerra, iniciado em Fevereiro de 2022, há o emprego de diferentes unidades militares dos dois beligerantes, como o caso do grupo Wagner.

Portanto, os conceitos “conflito”, “guerra” e “operação especial” aplicam-se todos para a relação entre Rússia e Ucrânia. A operação especial russa, resulta do conflito existente (antes e actualmente) entre Rússia e Ucrânia e que causou uma guerra a partir do momento em que a Ucrânia começou a responder militarmente à operação especial. Então estamos face a um conflito, uma guerra e uma operação especial. Mas, surge a questão: porque esses termos não são usados inadvertidamente?

Ora, os que usam o conceito conflito, pretendem ou nutrem alguma neutralidade. Isso é, quando se refere a relação russo-ucraniana actual como conflito, se reconhece as diferenças entre ambas as partes, mas evita-se usar a palavra guerra; o que é comum, além dos “neutros”, no seio dos que percebem as ações da Rússia como legitimas. Os que usam o conceito de guerra percebem-se mais “realistas” e descritivos do que sucede entre Rússia e Ucrânia. Por fim, os que usam o conceito de operação especial “defendem” quase que por completo, as ações da Rússia na Ucrânia.

In fine, se todos os conceitos (conflito, guerra e operação especial) são aplicáveis para a relação actual entre Rússia e Ucrânia, o seu uso vai depender da perspectiva que sustenta o argumento. E essa aplicação é dinâmica; isso é, se se aplica desde 24 de Fevereiro de 2022 até finais de Junho de 2023, poderá alterar-se futuramente. Se se alcançar um acordo de paz completo e legitimo, por exemplo, a guerra pode cessar e eventualmente a operação especial – esses dois conceitos não mais serão aplicáveis, logo. E como o mundo evolui, evolui também a aplicação dos conceitos.

 

 

 

 

Bibliografia

BBC. (25 de Fevereiro de 2022). 'Desnazificar a Ucrânia?': a história por trás de justificativa de Putin para invasão. Fonte: BBC: https://g1.globo.com/mundo/noticia/2022/02/25/desnazificar-a-ucrania-a-historia-por-tras-de-justificativa-de-putin-para-invasao.ghtml

COSTA, E. P. (1996). «GALTUNG, Johan - Peace by peaceful means. Peace and conflict, development, and civilization., 149-152.

Fernandes, A. H. (2021). O que É a Guerra. A Falácia do Conceito de Guerra Híbrida — Breve Excurso. Nacao e Defesa, 99-117.

NATO. (08 de Junho de 2023). Special Operations Forces. Fonte: NATO: https://www.nato.int/cps/en/natohq/topics_105950.htm#:~:text=Special%20operations%20are%20military%20activities,or%20local%20or%20surrogate%20forces.

 

 

 

 

 

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