Moçambique e a Importância do Princípio das “Responsabilidades Comuns, Obrigações Diferenciadas”, no Quadro das Mudanças Climáticas
As mudanças climáticas tem sido gradualmente debatidas nos dias que correm. E esse debate foi sistematizado e institucionalizado com a Convenção Quadro das Nações Unidas Sobre Mudanças Climáticas (CQNU) que emerge da Conferência do Rio de Janeiro Sobre o Meio Ambiente e Clima, de 1992. Na verdade, em 1992, os líderes globais discutem no Rio de Janeiro, os mecanismos de acção para limitar o aquecimento global. Porquanto, nessa época, já era relativamente consensual a ideia de mudanças climáticas antrópicas, isso é, mudanças climáticas influenciadas pela acção do Homem; e uma das consequências das Mudanças Climáticas antrópicas, é o aquecimento global.
É assim que diferentes esforços vão ser empreendidos pelos Estados, de forma concertada, objectivando reduzir a acção humana no meio ambiente. Realizam-se as Conferências das Partes (COPs) – partes da CQNU, assina-se e ratifica-se o Protocolo de Quioto, entre outros eventos marcantes. Também, começa a surgir um conjunto de legislação internacional relacionada ao meio ambiente. E essa legislação é orientada por um princípio estruturante do Direito Internacional do Meio Ambiente: Responsabilidades Comuns, Obrigações Diferenciadas. Ou ainda, Responsabilidades Comuns, mas diferenciadas, do inglês “common but differentiated responsibilities”.
O princípio de Responsabilidades Comuns, Obrigações Diferenciadas elabora o desenvolvimento histórico das mudanças climáticas. Isso é, revela os países que mais negativamente impactaram ao meio ambiente, demonstra que as mudanças climáticas impactam a todos países, por via do aquecimento global, por exemplo, e propõe alternativas de acção para fazer face as mudanças climáticas. Assim, o mesmo significa que, todos os países tem responsabilidade comum no combate as mudanças climáticas, mas porque uns contribuíram mais que os outros para a ocorrência das mudanças climáticas, as obrigações devem ser diferenciadas. “A lógica do princípio é que os Estados do Norte são os principais responsáveis pela degradação ambiental passada, continuam a consumir uma proporção esmagadora dos recursos do planeta e possuem capacidades tecnológicas e financeiras superiores para proteger o ambiente.” (Kiessling e Alonso, 2022). Vejamos então, teórica e praticamente a aplicação deste princípio.
Por um lado, vimos que a proposição do princípio nos remete às responsabilidades comuns. E por responsabilidades comuns se quer dizer o facto de todos terem de fazer esforços para combater as mudanças climáticas. E essa proposição emerge muito pelo facto das mudanças climáticas serem um fenómeno global, não específico para determinadas regiões geográficas. As mudanças climáticas afectam a todos os países do mundo, do norte, do sul, mais ou menos desenvolvidos, da África, Europa, Américas, Oceânia ou Asia: todos são impactados pelas consequências adversas das mudanças climáticas (UN, 2022 ).
Por outro lado, o mesmo princípio nos diz que, embora as responsabilidades sejam comuns, as obrigações são diferenciadas; isso é, todos tem sim a responsabilidade de fazer esforços para limitar os efeitos adversos das mudanças climáticas, mas esse esforço deve ser em razão da (i) contribuição de cada um dos países para a ocorrência do fenómeno mudanças climáticas, e da (ii) capacidade de mobilizar recursos, materiais e imateriais, para conter e limitar os efeitos adversos das mudanças climáticas. Isso porque, as causas das mudanças climáticas são associadas ao desenvolvimento económico.
Destarte, importa considerar que as mudanças climáticas do tipo antrópicas – influenciadas pela actividade humana – resultam, em grande medida, da industrialização. E não é necessário fazer grande esforço de inferência para perceber que os países altamente industrializados têm mais obrigações de lutar contra as mudanças climáticas, pois são os maiores responsáveis pela alteração do clima. E maiores obrigações significa, reduzir as quantidades de emissão dos Gases de Efeito Estufa (GEE) que são dos maiores causadores das mudanças climáticas, principalmente emitidos pela queima de combustíveis fósseis como petróleo e gás natural (UN, 2022).
Por isso fala-se da necessidade de fazer transição energética, que no contexto actual é transitar do uso de energias fósseis para as energias tidas como renováveis, i.e., eólica (à vento), hidroelétrica (à água), solar e térmica (à calor do sol), entre outras. Contudo, as maiores obrigações, que recaem aos países altamente industrializados, como os do Norte Global, resumidamente, Europa Ocidental, América do Norte, Austrália e Japão, não retiram por completo as obrigações dos países em desenvolvimento, como Moçambique. Todos têm obrigações, porém diferenciadas. Isso porque Moçambique é afectado pelas mudanças climáticas, embora sendo dos países que menos contribui para a ocorrência desse fenómeno. Aliás, Moçambique é dos países vulneráveis às mudanças climáticas (Ministério da Terra e Ambiente, 2022 ) E aqui podemos fazer considerações sobre a relação entre Moçambique e o princípio das Responsabilidades Comuns, Obrigações Diferenciadas.
Moçambique vem demonstrando interesse e activismo de participar no processo de luta contra as mudanças climáticas. Tanto a nível doméstico, como internacional, Moçambique se engaja em adoptar medidas para limitar as mudanças climáticas. E podemos evidenciar a existência de instituições centrais e provinciais que enquadram essa preocupação, como o extinto Ministério Para Coordenação da Acção Ambiental, ou o Ministério da Terra e Ambiente, e às respectivas Direções Provinciais. A nível internacional, a assinatura, por parte de Moçambique, dos Acordos de Paris, e sua consequente ratificação demonstram essa preocupação nacional. E a participação de Moçambique nas duas últimas COPs, na Escócia, em 2021 e no Egipto, em 2022, tiveram um denominador comum: usar o gás como energia de transição.
Quando Moçambique considera que pretende usar o gás como energia de transição, o primeiro relfexo é paradoxal, pelo facto do gás ser um combustível fóssil e contribuir para o aumento dos GEE. Mas, esse posicionamento de Moçambique é sustentado no princípio mesmo de Responsabilidades Comuns, Obrigações Diferenciadas, na medida em que a perspectiva do uso do gás é de fazer com que às receitas da exploração desse recurso sirvam para garantir (i) desenvolvimento, económico e social, condigno e (ii), consequentemente, sustentar a transição energética de Moçambique.
Ora, só uma população que já tenha relativamente satisfeito às necessidades básicas de vida pode olhar com a devida atenção para os compromissos climáticos. E esse argumento não pode ser percebido como uma negação dos compromissos climáticos, ao contrário, uma aceitação mais real desse desafio. Aliás, Maslow colocava as necessidades básicas, tais que teto e alimentação, como primárias (por isso básicas) e condicionantes de todas outras. E mesmo que, paulatinamente, às preocupações climáticas se mostrem como necessidades básicas, no quotidiano, é difícil fazer essa comunicação.
Maslow hierarquiza as necessidades humanas. Primeiramente temos às fisiológicas, depois as de segurança, seguidamente as necessidades sociais, por conseguinte as de estima, e por fim as de autorrealização (Periard, 2018). Certo, as preocupações ambientais são relacionadas à segurança do indivíduo; mas pelo facto delas dependerem de acção colectiva e também dos seus efeitos não serem proporcionais as actividades regionalmente específicas, o engajamento dos países e cidadãos não é ainda intenso. Pois, não se percebe como imediato e dependente da ação directa da população. Isso é, um esforço feito por Moçambique, para limitar a emissão de GEE, não garante que Moçambique não vai sofrer com efeitos adversos das mudanças climáticas, como ciclones. O que não deve desmotivar os esforços nacionais.
Finalmente, é razoável recordar que as mudanças climáticas afectam a todos, mas porque uns tem mais responsabilidades que outros, para a ocorrência das mudanças climáticas, as obrigações são diferentes. A obrigação de fazer transição energética em Moçambique não deve ser a mesma que num país da Europa Ocidental; pois, historicamente, os segundos contribuíram mais que o primeiro para a ocorrência das mudanças climáticas. Porém, porque Moçambique é dos países mais vulneráveis aos efeitos adversos das mudanças climáticas, precisa juntar-se aos esforços globais de combate às mudanças climáticas: eis o Princípio das Responsabilidades Comuns, Obrigações Diferenciadas, se tivéssemos de resumir.
Referências Bibliográficas
1. KIESSLING, Kurt Christoper, e ALONSO, Augustina Pacheco, (2022), Responsabilidades Comuns Mas Diferenciadas Relativamente Às Mudanças Climáticas. Diferentes Interpretações Dentro do Contexto Nacional Brasileiro, In Janus.Net, e-journal of International Relations, vol. 13 Nº 1, Maio-Outubro 2022.
2. MINISTÉRIO DA TERRA E AMBIENTE, (2022), Quadro Regulador Sobre Mudanças Climáticas, consultado a 4 de Dezembro de 2022 via https://www.mta.gov.mz/mudancas-climaticas/mudancas-climaticas/
3. PERIARD, Gustavo, (2018), A Hierarquia de Necessidades de Maslow – O que É e Como Funciona, consultado a 4 de Dezembro de 2022, https://www.gov.br/infraestrutura/pt-br/assuntos/portal-da-estrategia/artigos-gestao-estrategica/a-hierarquia-de-necessidades-de-maslow.
4. UNITED NATIONS, (2022), Causas e Efeitos das Mudanças Climáticas, consultado a 4 de Dezembro de 2022, via https://www.un.org/pt/climatechange/science/causes-effects-climate-change.
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