Uma Era, Duas Décadas, Cinco Prisões!

Este texto surge como resultado de uma conversa com um antigo combatente da luta de libertação nacional. Abílio Saíde decidiu partilhar uma parte da sua história que, aliás é oportuna quando celebramos há poucos dias o 25 de Setembro: dia das Forças Armadas de Defesa de Moçambique (FADM). Isso porque as forças armadas, anteriormente Forças Populares de Libertação de Moçambique (FPLM), libertaram Moçambique e os moçambicanos. E a história de Kachule, como também é conhecido Abílio Saíde, demonstra quão necessário foi a acção das FPLM.

O tema deste texto procura explicar como nas duas últimas décadas do regime colonial, a vida dos moçambicanos tornou-se difícil. E a manifestação dessa dificuldade é evidenciada pelas prisões arbitrárias de que Kachule foi alvo. A era colonial ocasionou esses acontecimentos, a partir de 1958 até 1974, na vida de Kachule e de vários outros, anónimos.

A primeira prisão ocorre quando Kachule procurava viajar para África do Sul, procurando localizar o pai, que para esse país emigrava. Kachule foi preso em Massequece, Manica, por um fiscal de comboio, suspeito de querer juntar-se ao movimento nacionalista moçambicano que nascia em Harare. Tendo sido seguidamente solto e obrigado à voltar para Niassa, de onde é originário. Mas Kachule conseguiu ir até África do Sul, por meio do Malawi, e localizou o progenitor. Essa primeira prisão demonstra a dificuldade que os moçambicanos tinham de se locomover no território moçambicano.

A segunda prisão ocorreu depois de ter ido deixar o progenitor em Metangula, Lago, Niassa. Cumprida a missão, Kachule vai para Lichinga e depois para Maputo, procurando melhores condições de vida. Mas, circunstâncias alheias o obrigaram a voltar para Lichinga, entretanto, o dinheiro de volta era insuficiente. Assim, apenas conseguiu chegar até Nampula. O que o motivou a procurar ajuda em Monapo aonde residia um dos tios. Porém, chegado a Monapo, foi desconfiado de ser espião alheio ao Estado colonial: foi preso e interrogado pela Polícia Internacional de Defesa do Estado (PIDE). Fortunamente, conseguiu libertar-se e regressou à Niassa. A desconfiança do Estado colonial português não permitia liberdade de circulação aos moçambicanos.

A terceira prisão foi sumária. Isso porque Sumane, Chizoma e Chicoma haviam aberto um núcleo de propaganda pró-FRELIMO (Frente de Libertação de Moçambique) no distrito do Lago. E por ter proximidade com o Núcleo, foi preso em Setembro de 1965, e foi transferido para Machava em Dezembro do mesmo ano, aonde permaneceu até 12 de Março de 1970. Perceba-se então, a impossibilidade de liberdade de pensamento e associação naquela época.

A quarta prisão deveu-se ao facto de não ter se apresentado ao exército português. Assim foi qualificado de desertor e capturado e depois enviado para Ilha de Moçambique. Mas, tendo posteriormente sido liberto, foi trabalhar para Mandimba, Niassa. E por lá, viajava constantemente para Malawi, juntamente com um amigo. E é assim que acontece a quinta prisão.

Isso é, a quinta prisão decorreu de um mal entendido no Malawi: foi encontrado, com o amigo e duas senhoras malawianas, e foram acusados de às cortejar. E para tornar as coisas piores, como a lei de Murphy sugere (nada é tão mau que não pode piorar), o facto do principal opositor ao regime de Kamuso Banda, Chipembele, ser de origem Nyanja, do Lago Niassa, especificamente de Chuanga, tal como Kachule, contribui para a desconfiança das autoridades malawianas. Contudo a verdade sempre vem ao de cima, pelo que seria liberto em Zomba, no ano de 1974.

Eis o período colonial, na voz de quem o viveu. Talvez seja importante ter a noção das dificuldades de ontem para apreciar os dias de hoje. E os dias de hoje começaram com o alcance da independência nacional, em 1975.

E para Kachule, 1975 foi também o fim das prisões. Seguiu-se uma vida menos conturbada, mesmo se a guerra dos 16 anos criava hiatus. De 1977 a 1979 foi secretário do grupo dinamizador em Mandimba. Tendo seguidamente tornando-se no primeiro Director da Empresa Agrícola de Matama, nos finais da década 70 e posteriormente dirigido a Empresa Agrícola da Zambézia, no Alto-Molocué, como chefe de administração e aprovisionamento, de 1981 até 1986. Finalmente regressou para Lichinga, na Empresa Agrícola de Unango, terminado o serviço público como Chefe de Administração em Mandimba, quadro da agricultura. 2004.

A persistência compensa!


Referências Bibliográficas

Fonte primária:

1. Conversa/Entrevista aberta, não estruturada, com Abílio Saide, Antigo Combatente da Luta de Libertação Nacional de Moçambique. Niassa, Lichinga, 09 de Agosto de 2022.


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