NATO: Uma Organização Historicamente Anacrónica!


Por Alfredo J. Gamito e Amade C. Nacir.


Antes, consideremos o prólogo: “keep the Soviet Union out, the Americans in, and the Germans down”, isso é, em português, “manter a União Soviética fora, os americanos dentro e os alemães por baixo”.

Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), é o significado da sigla inglesa NATO (North Atlantic Treaty Organization). Passemos então a fundamentação do uso do termo “anacrónica” para caracterizar a contínua existência da NATO. Rosa (2018 ), começando por considerações etimológicas, explica que anacronismo é um termo grego, que provém de ana – contra e chronos – tempo; assim, por anacronismo “(…) referimo-nos a um erro que consiste em situar um ser, objecto ou acontecimento num tempo em que ainda não existe ou que, pelo contrário, já deixou de existir. Pode ser usado deliberadamente para distanciar acontecimentos e sublinhar uma verosimilhança e intemporalidade universal.”

Clarificados os conceitos-chaves, importa-nos por ora responder o porquê da nossa proposição. Aliás, explicitemos a proposição, a nossa tese: NATO é uma entidade fora do seu tempo; o tempo dela deixou de existir. Porquanto, NATO foi criada em Abril de 1949 pelos Estados Unidos da América (EUA), Canada, Reino Unido, entre outros (Wache, 2019). Fundada a 4 de abril de 1949 através do Tratado de Washington, NATO tinha três grandes objetivos: dissuadir o expansionismo soviético, impedir o renascimento do militarismo nacionalista no continente e incentivar a integração politica europeia. Genericamente, desde o nascimento da NATO, houve três períodos distintos no seu pensamento estratégico: o período da guerra-fria, o período imediato ao pós-guerra fria, e o ambiente de segurança desde 11 de setembro de 2001 (Garcia, 2014).

E daí pode surgir a antítese da nossa proposição “o facto de ter sido criada em 1949 não significa, ipso facto (directamente), que esteja fora do seu tempo”. E a evolução estratégica corrobora o pensamento de pertinência da NATO. Contudo, a NATO é criada no contexto da guerra fria. Um período histórico de confrontação ideológica, política, económica, militar, etecetera, entre o ocidente capitalista liderado pelos EUA e, o oriente socialista liderado pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas – URSS (Ibid). As considerações ocidente e oriente, aqui empregues, são políticas e não precisamente geográficas. E pode-se notar que os principais eixos estratégicos da Aliança Atlântica estavam estreitamente ligados a “ameaça” Soviética, o contexto da guerra fria, que acabou motivando os EUA com os seus parceiros europeus a procurar garantir um equilíbrio de poder na Europa.

A guerra fria é um fenómeno sistémico. É sistémico de forma geográfica, mas também quanto aos assuntos. Há competições em todos os continentes, regiões, e sobre todos os tipos de assuntos. Na Ásia, na América Latina, na África, no Médio Oriente, se luta por zonas de influência. Na política, na segurança, nos assuntos militares, na ciência, na cultura, etecetera, há competições permanentes. Entrementes, nos interessam os assuntos político-militares. Por assuntos político-militares se quer dizer os fenómenos que abordam situações de eventuais guerras e a coordenação acerca dessa possibilidade. Por isso vamos começar com as organizações de cooperação militar.

É no âmbito dessa competição que surgem o Pacto de Varsóvia e a NATO. Em Varsóvia, Polónia, 14 de Maio de 1955, a URSS e alguns Estados da Europa do Leste criam o Pacto de Varsóvia. URSS, Polónia, Alemanha Oriental, Checoslováquia, Hungria, Romania, Bulgária, para ser preciso; essa aliança era também chamada de Tratado de Amizade, Cooperação e Assistência Mútua. Na verdade, o Pacto de Varsóvia é criado como resposta à existência da NATO que já começava a se expandir, com a adesão da Alemanha ocidental em 1955, e a recusa da NATO em integrar a URSS como membro.

Tanto o Pacto de Varsóvia como a NATO procuravam garantir a segurança colectiva. Se um dos respectivos membros fosse atacado, os outros sairiam em respectiva defesa. Porém, durante a guerra fria, este Pacto não foi operacionalizado contra os países ocidentais, e em 1991 foi dissolvido. O que não sucedeu com a NATO. Por isso o seu anacronismo, o anacronismo da NATO; porquanto, é lógico o pensamento segundo o qual, se entidade A é criada para lidar com a ameaça B e ameaça B deixa de existir, a relevância da entidade A também deixa de existir.

Uma nota explicativa da importância das alianças se mostra pertinente. Segundo Silva (2012), existem 3 principais motivações que levam um Estado a formar uma aliança: (1) porque se apercebe que não conseguirá alcançar os seus objetivos sem ajuda externa, (2) porque se apercebe que os seus objetivos serão alçados mais rapidamente e eficazmente com a ajuda externa ou (3) porque embora possua os meios para alcançar os seus objetivos, não está disposto a suportar os custos excessivos desta iniciativa.

De novo, chamemos o contexto. NATO surge como uma resposta a “ameaça” socialista, i.e., a esfera de influência soviética. Em 1948, Bélgica, França, Luxemburgo Holanda e Reino Unido expandiram a já existente aliança entre Reino Unido e França (resquícios da Entente Cordiale) aos países Benelux (Bélgica, Holanda – Netherlands, Luxemburgo). Esta aliança tinha em conta uma eventual agressão da URSS. Do outro lado, EUA, Canada e Reino Unido estavam a negociar secretamente para um acordo com os mesmos fins. Então, juntaram-se todos esses e mais alguns países para criar a NATO. Assim, a 4 de abril de 1949, em Washington assinou-se o acordo que cria a NATO. Contam-se os seguintes entre os Estados fundadores: Bélgica, Canada, Dinamarca, França, Islândia, Itália, Luxemburgo, Holanda, Noruega, Portugal, Reino Unido e EUA. Depois integraram a organização militar, Grécia e Turquia (em 1952), Alemanha Ocidental (em 1955) e Espanha (em 1982), durante a guerra fria. Depois da queda do socialismo na URSS, da implosão do império soviético, e do renascimento da Europa Central para o protagonismo histórico, a europeização da defesa perdeu os constrangimentos estruturais que derivam da bipolarização (Moreira,2014).

Foquemos mais ainda na NATO. Ao primeiro Secretário-geral da NATO são creditadas as seguintes palavras, como objectivos principais da NATO: “keep the Soviet Union out, the Americans in, and the Germans down”, isso é, “manter a União Soviética fora, os Estados Unidos dentro, os alemães por baixo”. O acto constitutivo da NATO compreende 14 artigos. E em geral, os artigos indicam: não entrar em guerra mutualmente, promover instituições democráticas e colaboração económica; resistir o desejo de invadir outro território, e respeitar o território e autonomia de cada um dos membros (NATO, 2021).

Entretanto, existe um artigo emblemático, trata-se do artigo 5 – pacto de defesa mútua. Este artigo considera que um ataque contra um dos países membros vai ser considerado como ataque contra todos países membros. Da semelhança com o Pacto de Varsóvia. Entretanto, o artigo 5, foi apenas uma vez mencionado como Casus belli (acto, ou causa para guerra), aquando dos ataques terroristas de 11 de setembro, contra os EUA.

As palavras do primeiro Secretário-Geral da NATO, Hastings Lionel Ismay, que era britânico, demonstram a preponderância dos EUA na NATO. E os mais cépticos às acções americanas podem considerar que NATO tem funcionado como uma espécie de peão no jogo politico e militar internacional, estando os EUA a usar essa Aliança para aumentar sua influência militar no continente europeu.

E essa consideração faz força quando percebemos que as alianças militares tem causado situações de dependência militar, tal como considera Silva (2012). Isso porque, as alianças muitas vezes permitem o estabelecimento de bases militares; o envolvimento no treino e na orientação das forcas armadas; e o fornecimento de armamento e peças sobressalentes. E para o caso da NATO, os EUA são dos maiores provedores desses serviços para os europeus, basta lembrar as ameaças do anterior presidente americano, Donald Trump, de exigir pagamento dos europeus pelo esforço norte-americano para a segurança dos primeiros.

In fine, é possível agora perceber que no âmbito militar, duas organizações criavam o equilíbrio do poder entre os blocos, durante a guerra fria, o Pacto de Varsóvia e a NATO. A primeira liderada pela URSS e a segunda liderada pelos EUA. Uma deixou de existir com o fim da guerra fria – a queda do murro de Berlin e a dissolução da URSS. A outra não apenas continuou, como tem estado a se expandir, ou alargar-se com a integração da Albânia e Croácia, em 2009; Montenegro, em 2017; e Macedónia do Norte em 2020 (NATO, 2021). Eis todo o anacronismo que circunda a existência da NATO.

Referências Bibliográficas

1. Baylis, J., Smith, S., & e Owens, P. (2008). The Globalization of World Politics: Na Introduction to International Relations. Oxford University Press.

2. Garcia, F. P., (2014), “Organização do Tratado do Atlantico Norte” EM: MENDES, Nuno Canas & Coutinho Francisco(2014) Enciclopédia das Relações Internacionais, Dom Quixote, Alfragide

3. Morreira, A. (2014), Teoria das Relações Internacionais, Almedina

4. North Atlantic Treaty Organization (NATO), (2021), consultado a 3 de Fvereiro de 2021. NATO – Homepage. Via NATO: www.nato.int

5. Rosa, V.(2018), Anacronismo, in Dicionário de Termos Literários, consultado no dia 23 de Julho de 2022, https://edtl.fcsh.unl.pt/encyclopedia/prefix:%C3%BC.

6. Silva, S. V. (2012), Introdução as Relações Internacionais, Escolar Editora

7. Wache, P. M. (2019) Geopolítica: Doutrinas, Teorias e Factores. Maputo, Plural Editora.


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