COP26 e o Desafio que se Impõe Para Moçambique: Transição Energética.
Por Amade Casimiro Nacir
COP26 é a sigla institucionalizada para designar a vigésima sexta Conferência de Partes (Conference of Parties – COP). Conferência de Partes que assinaram a Convenção Quadro das Nações Unidas Contra às Mudanças Climáticas, ou para o combate às mudanças climáticas. Às partes são então os Estados. Essa conferência realizou-se no ano passado, em Glasgow, na Escócia, Reino Unido. Ora, como habitual nas COPs, em Glasgow discutiu-se sobre os desafios, perspectivas, avanços e recuos inerentes as mudanças climáticas.
E vários assuntos foram discutidos, culminando com o Pacto Climático de Glasgow (tradução livre de Glasgow Climate Pact). Os pontos a atentar, relacionados ao pacto são: o reconhecimento da emergência climática que já ocasiona consequências adversas; por isso a necessidade de acelerar a acção climática; deixando de usar os combustíveis fósseis; o que necessita esforços para o financiamento climático; apoio para adaptação; operacionalização de todas às decisões de Paris (COP 21); e focalização nas perdas e danos climáticos (UN, 2021 ). Como se depreende, todos os pontos acima elencados são pertinentes para fazer face as mudanças climáticas, entretanto a transição energética é dos pontos nevrálgicos.
Mas o que então significa transição energética? De forma caricatural, o dicionário Priberam de língua portuguesa considera que transição é o facto de passar de um assunto ou estado para outro (www.priberam.pt). Mecanicamente a transição energética é de mesma forma antiga que o conceito de energia. Porquanto, a humanidade sempre efetuou a transição energética, i.e., do fogo para as energias fósseis, das energias fosseis à energia eólica, da energia eólica à energia hidráulica, solar, nuclear, etc. em sentido difuso (www.edp.com).
Todavia, a transição energética actual é suis generis; isso porque, dentre outros factores, (i) há urgência em fazer a transição, o que não sucedeu com as outras transições; (ii) vai se transitar de uma fonte de energia mais “potente” e que ocasiona desenvolvimento económico de forma mais acelerada, para outra relativamente inferior nesses parâmetros; e consequentemente, para países como Moçambique, é uma transição que não se acomoda totalmente aos objectivos de desenvolvimento económico. Por fim, acrescenta-se para a discussão a ideia de os combustíveis fosseis serem perigosos para o ambiente (Toubeau, 2009).
Efectivamente, a transição energética actual diferencia-se, portanto, das transições que se efectuaram anteriormente. Antes, a preocupação era o crescimento económico e eficácia energética, o que continua na agenda actual; todavia, actualmente adiciona-se a tais preocupações, a preservação do meio ambiente, a natureza. Eis o ponto importante quando distinguimos as transições efetuadas anteriormente e a que enfrentamos hoje. Assim, se esclarece a necessidade de se fazer uma abordagem totalmente diferente das anteriores: atualizar o contexto.
E um dos pontos que expusemos acima é referente a necessidade de deixar de usar energias fósseis, i.e. transitar de energias fósseis para energias ditas renováveis. Na verdade, essa foi uma das mais contestadas decisões de Glasgow (UN, 2021). De tão contestada que foi, decidiu-se não banir por completo o uso de energias fósseis, mas o fazer paulatinamente. É assim que falamos de phase-down e phase-out. Por um lado, phase-down, significa reduzir o uso de determinados recursos energéticos, no caso carvão e florestais; por outro lado, phase-out, significa cortar subsídios e financiamento para energias fósseis “ineficientes”. Bem, a questão que, eventualmente, surge é, “como definir ineficiência?”. Questão que merece um outro debate, mas que provisoriamente vai significar energias fósseis mais poluentes.
Mutatis mutandis, eis o desafio que se impõe para Moçambique: fazer transição energética. É desafiador porque essa transição não pode comprometer o desenvolvimento do país. Aliás, na sua participação em Glasgow, representado pelo Primeiro-Ministro, Carlos Agostinho do Rosário, Moçambique reconheceu a importância da acção climática, mesmo sendo dos que pouco ou nada poluem (Portal do Governo de Moçambique, 2021 ). E acção climática enquadra – lato sensu – a transição energética, pois acção climática significa fazer esforços para lutar contra às mudanças climáticas de origem humana, antropogénica, e natural.
Como então enquadrar transição energética no quadro das condições e vontades de Moçambique? Primeiro, devemos considerar que Moçambique tem feito esforços para efectuar desenvolvimento sustentável, de forma geral, isso é, tem procurado fazer um desenvolvimento económico respeitando os limites da natureza, para que os recursos possam também ser usados pelas gerações que advirão. Certo, há espaço para melhorias, o que não pode ofuscar o trabalho que tem sido feito. Segundo, embora exista essa preocupação moçambicana pelo ambiente, existe uma mais premente preocupação: crescimento econômico. Este contraste é na verdade o conundrum, é o enigma e o dilema que Moçambique tem para resolver. E infelizmente, para assuntos tão complexos não há uma resposta, ou “A” resposta. Podem, porém, existir diferentes elementos de discussão que eventualmente esclareçam às alternativas que se podem seguir.
É dentro do quadro dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) que se institucionaliza a necessidade de se efetuar a actual transição energética através do sétimo ODS. Este objetivo tem por fim, “garantir para todos, o acesso aos serviços energéticos fiáveis, sustentáveis e modernos, a um custo acessível” (www.onu.org). Destarte, a componente “sustentável” tem sido das mais discutidas. E às energias ditas renováveis são as que actualmente englobam essa componente.
Isso é, percebe-se que para se efetuar o desenvolvimento sustentável, se deve preservar a qualidade de vida das gerações futuras, as fontes de energia não renováveis, combustíveis fósseis, são incompatíveis ao processo de desenvolvimento sustentável, nessa óptica. Porquanto, se não são renováveis, as gerações futuras poderão não ter a oportunidade de as usar. Necessita-se então de limitar a utilização de fontes não renováveis, eventualmente interditar sua utilização; depois, necessita-se potencializar a utilização de fontes renováveis, ou ambas acções feitas de forma paralela. Eis o rationale, a razão da transição energética.
Ademais, essa preocupação com a transição energética também se alicerça no facto de, a “energia [ser] o principal factor que contribui [para] as mudanças climáticas. Ela representa cerca de 60% de emissões mundiais de gaz a efeito estufa” (www.onu.org). Gases de Efeito Estufa (GEE) são os gases que resultam da queima de combustíveis fósseis e aumentam a temperatura do planeta terra; são seis mas podemos mencionar os três principais: dióxido de carbono (CO2), metano (CH4) e óxido nitroso (N2O). Por conseguinte, com a transição energética, há a probabilidade de reduzir esse número (60%) e desse modo evitar comprometer a possibilidade das futuras gerações satisfazerem suas necessidades.
Ora, Moçambique pode fazer face para esse desafio de transição energética melhorando alguns aspectos fulcrais. Tais são, educação, inovação, cooperação internacional e gestão adequada da energia dentro do ordenamento nacional. Não seria necessário lembrar que esses aspectos estão inerentemente conectados.
Há necessidade de se ter uma visão holística da educação – não no sentido secular e literal da palavra, mais no sentido de pertença, no sentido de existência de conhecimento e reconhecimento dos problemas sociais – sobretudo ambientais – e consequente engajamento para os solucionar. É relevante que se mude a forma de consumo, a forma qual olhamos para a energia e sobretudo, que a ideia de fazer transição energética para salvaguardar um ambiente melhor para todos torne-se aceitável. Deve ser uma ideia que a sociedade perceba sua razão. Importa elevar nossa educação sobre a energia, vulgarizar os conceitos científicos. Assim, com uma sociedade sensível para às preocupações ambientais e de desenvolvimento, melhor se vai implementar as políticas ambientais, energéticas, entre outras. A sociedade poderá perceber qual papel desempenhar e facilmente aceitar os eventuais sacrifícios. Pois saberá porquê se limita tal e tal consumo, porquê existem restrições, etcetera.
Entrementes, a inovação é outro aspecto pertinente, mesmo para países em desenvolvimento, como Moçambique. Aliás, ela é talvez ainda mais importante para o nosso país. Com a inovação pode-se produzir melhor as energias renováveis mais também lhes distribuir de forma menos cara e aumentar sua eficácia e eficiência. É neste contexto que Fonseca (2014) considera que o investimento para criar redes inteligentes de energia é importante para que o consumo e a produção estejam em consonância. Com tal tipo de redes poderemos economizar mais e apenas usar o que deve ser usado, garantindo dessa forma a sustentabilidade. E por ser um elemento que necessita de recursos, é aqui importante contar com o financiamento climático, aspecto acima mencionado. Esse financiamento é ainda mais adequado para Moçambique, por poluir menos e estar a fazer esforços de controlar o uso de energias fósseis. Os arranjos começados em Quioto (1997) oferecem alternativas interessantes para países em desenvolvimento.
Dessarte, como acautelado acima, ideias precisam ser postas à prova e até que resistam a segunda, são apenas ideias. Mas, se não existirem ideias, como poderemos agir? Então, às proposições acima são feitas com base na realidade e no estado da ciência, porém não garantem a solução dos problemas; são uma forma de perceber e agir sobre o problema: mudanças climáticas. Conceptualizamos problema como a situação que impede o curso normal da vida, causando efeitos negativos. Depois, é importante que haja consciência de que transições levam tempo, e não seria diferente com a transição energética. É um processo. Por isso relacionamos educação e inovação. E a transição não pode ser vista como tarefa dos países mais desenvolvidos – temos de nos preparar para o futuro. Inversamente não podemos fazer a transição à todo custo – há o imperativo do desenvolvimento económico. O equilíbrio se mostra, como habitual quando a razão se faz presente, o mediador de todas relações: sociedade civil, poderes públicos, apoios nacionais e internacionais.
Finalmente, a cooperação internacional toca em vários aspetos e não seria possível mencioná-los todos num texto limitado como o presente. O que interessa à Moçambique é beneficiar dos mecanismos internacionais que permitam aceder a tecnologia e financiamento para promover a transição energética. Tal cooperação deve ser efectuada com base nas características e necessidades nacionais. Para que todos possam participar da transição energética, é importante que todos tenham acesso aos recursos e tecnologia de arte. Quanto ao ordenamento territorial, este é um problema que afeta mais os países em desenvolvimento relativamente aos países desenvolvidos. E a ideia exposta acima, de Fonseca, sobre redes inteligentes são aqui importantes a relacionar. Isso é, fazer com que a distribuição de energia se torne fácil, eficaz e eficiente. Com melhor ordenamento, essas três características podem facilitar a transição energética, devido aos potenciais baixos custos. São proposições ambiciosas, mas são destas que se constroem sistemas fortes, resilientes e anti frágeis.
Escreveria o outro: “Rhodes é aqui, é aqui que você salta!”, “Hic Rhodus, hic saltus” (“Ιδού η ρόδος, ιδού και το πήδημα”).
Referências Bibliográficas
1. UNITED NATIONS, (2021), Climate Action – COP26: Together for our planet, consultado a 30 de Janeiro de 2022, 10h30min, https://www.un.org/en/climatechange/COP26 .
2. PORTAL DO GOVERNO DE MOÇAMBIQUE, (2021), Primeiro-Ministro diz que a batalha consiste na transformação de promessas em realidade, consultado a 30 de Janeiro de 2022, 11h28min, https://www.portaldogoverno.gov.mz/por/Imprensa/Noticias/Primeiro-Ministro-diz-que-a-batalha-reside-na-transformacao-de-promessas-em-realidade.
3. EDP, (2017), Historia da Energia, http://www.edp.com.br/pesquisadores estudantes/energia/historia-da-energia/Paginas/default.aspx.
4. FONSECA P., (2014), Transiçao Energética: O Papel Das Redes Inteligentes de Energia, Janus, Conjuntura Internacional.
5. ONU, (2017), Objectifs de Développement Durable. 17 Objectifs Pour Transformer Notre Monde, http://www.un.org/sustainabledevelopment/fr/energy/.
6. ONU, (2015), Objectifs du Milenaire Pour le Developpement. Raport 2015, Nations Unies, New York.
7. OKA M.M., (2000), Historia da Electricidade, Versão 1,0, Brasil.
8. TOUBEAU T., (2009), L’énergie sous toutes ses Formes, Fiches thématiques, AplicaSciences, Faculté Polytechnique de Mons.
9. PRIBERAM, (2017), www.priberam.pt.
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