A crise migratória no mediterrâneo: problema recente com raízes antigas.

A crise migratória no mediterrâneo: problema recente com raízes antigas.

A emigração per se não é um aspecto negativo. Não é um problema. Nem o é a imigração. Porém, quando efectuadas de forma massiva, ambas podem constituir um problema, pois criam um desequilíbrio na capacidade de suportar a saída ou a entrada de indivíduos, respectivamente. E a migração de africanos para Europa, registou um aumento exponencial na última década. Mas além da preocupação com a emigração, as condições nas quais se efectua essa emigração é também preocupante.

Por um lado, quando em um curto intervalo de tempo, saem muitos indivíduos, quando emigram de um lugar para o outro, pode-se verificar situações negativas como falta de mão-de-obra ou ruptura da coesão social, no território dos emigrantes. A emigração de massa – pela saída exponencial de indivíduos – torna-se um problema devido aos efeitos negativos que ela ocasiona. Por outro lado, quando em um curto intervalo de tempo, entram muitos indivíduos, quando imigram, se verificam problemas, igualmente. Esses indivíduos imigram em sociedades já estabelecidas. Em comum com o primeiro caso está a ruptura da coesão social, pois o papel desses indivíduos nas sociedades de acolhimento é estigmatizado e depois, há contingência de existir espaço fértil para delinquência, mendicidade entre outros males.

Acerca da coesão social, a ruptura pode acontecer, primeiro pelo vazio que os emigrantes deixam no território de origem e, segundo pela sobrecarga que os imigrantes causam nas administrações do território de acolhimento. Pois, os emigrantes são pais ou mães, são irmãos ou irmãs, filhos ou filhas, tios ou tias, etecetera. São indivíduos que desempenham um papel fundamental na sociedade, na comunidade. Mesmo que não estejam a exercer alguma actividade profissional, são pertinentes para o desenvolvimento e bem-estar social. Inversamente, nas novas sociedades aonde são recebidos, eles devem se recriar e desenvolver outros papeis sociais que, muitas vezes são estigmatizados, ao menos nas fases iniciais.

Seguidamente, quando emigram e se tornam imigrantes na Europa, criam nos países de acolhimento uma sobrecarga. Pois, a sua inserção é abrupta, visto que existe uma sociedade anterior a eles. E quando a estrutura de acolhimento não consegue os suportar, surgem os problemas mencionados acima. E essa estigmatização dos imigrantes fundamenta-se no facto de que para sobreviver, alguns imigrantes se envolvem em esquemas de criminalidade ou mendicidade.

Na última década, ouvimos muito falar da crise migratória, principalmente no mediterrâneo. Essa consideração é feita para a emigração de massa de africanos para Europa. Inclua-se indivíduos do medio oriente nessa classificação de africanos. Na verdade, é um problema que afecta principalmente a região ocidental e do norte da África, além do médio oriente como mencionado. Partem para Europa tencionando encontrar melhores condições de vida. Muitas vezes, se sujeitando a situações de transporte extremamente indignas e arriscadas. Crianças, homens e mulheres ariscam a travessia do mediterrâneo. Contudo, a justificação para a emigração de muitos desses indivíduos é, frequentemente, razoável. Porquanto saem de países afectados por calamidades humanas e naturais – guerras, mudanças climáticas, etecetera.

É assim que alguns países da União Europeia (UE), visivelmente liderados pela Alemanha, começam em 2015 a criar um sistema de quotas para acolher os imigrantes. Entrementes, enquanto há a atribuição de quotas para a recepção de imigrantes por país, existe também o receio de recepção dos mesmos em determinados países. O sistema de quotas, é uma tentativa de solução que a curto prazo é melhor que nada.

Todavia, alguns emigrantes africanos podem perceber que ir arriscar uma viagem para Europa, compensa, pois existem quotas por se preencher, e se não existem, vão existir. Mas não tomar decisões para o acolhimento dos imigrantes, também não parece abonatório. E relacionada a percepção de bom futuro na Europa, em 2015, cerca de 2000 indivíduos morreram tentando atravessar o mediterrâneo (Al Jazeera, 2015). Há, contudo, países que se recusam a receber imigrantes por sistema de quotas, quer explicitamente, assim como implicitamente; estamos a falar da Polónia e Hungria – chegando a última a instalar cercas em torno de algumas fronteiras, havendo debates em França e fortes hesitações em países do Leste.  Para mencionar alguns.

Entretanto, essa massa de emigração para Europa é baseada num sonho que foi “vendido” aos africanos. Um sonho de que a Europa é o destino pelo seu nível e tipo de desenvolvimento. Uma imagem vendida aos africanos durante vários séculos. Criou-se um imaginário colectivo que considera a Europa como o desiderato humano. Um imaginário colectivo que se sobrepõe a ideia de preservação da vida, pois vários africanos legam suas vidas ao mar.

Ainda, a procura de melhores condições de vida é uma característica comum para muitos seres humanos. Aliás, quando os europeus vieram para África, nas viagens de exploração, procuravam melhores condições de vida. E essa procura fez com que se estabelecessem em muitos dos países africanos, por meio de colónias de povoamento, colónias de exploração, colónias mistas, protectorados e outras formas de imposição de interesses.

O que pode estar a acontecer é uma repetição inversa do sucedido nos séculos passados.  Mesmo que actualmente, no caso dos africanos que emigram para a Europa, a escolha tenha reduzido e a necessidade aumentado. Os europeus podem ter ensinado, não apenas aos africanos, que para satisfazer seus interesses, o Homem deve explorar o mundo, descobrir novos lugares e se instalar nos lugares aonde exista prosperidade. A relativizar o conceito de prosperidade, entretanto.

A massiva emigração para Europa é um espelho da massiva imigração de europeus para África, ocorrida nos séculos precedentes. Não existe aqui alguma tentativa de escusa das ações dos emigrantes, mas uma tentativa de perceção do fenómeno. Isso porque não existem fenómenos isolados. E não existindo fenómenos isolados, a massiva emigração que se verifica, de africanos para Europa, é um fenómeno que encontra continuidade histórica. Um fenómeno que deve ser percebido como corolário de outros fenómenos históricos, no caso a imigração que a África recebeu de europeus, anteriormente. E europeus que estando em África vangloriavam seu continente, impunham seus hábitos e modos de vida como exemplo para seguir e deturparam o conceito de civilização, introduzindo sua negatividade para caracterizar o africano: não civilizado.

Atenta-se para não fazer amalgamas sobre a relação entre os povos. Depois, existe um ditado interessante sobre a relação entre o passado e o presente: não se pode olhar para o passado com os olhos do presente. Entrementes, o passado deve guiar nossa acção presente, evitando erros futuros. E porquê não adicionarmos nesse discurso mais outro tipo de fenómeno migratório? Com o advento do novo milénio e a exploração de recursos diversos em África, houve e há uma massiva onda de europeus que migraram para países africanos. Mas essa migração é poucas vezes considerada como problemática, mesmo que haja elementos para tal. Ademais, é objecto de outra analise.

Portanto, a onda de emigração de africanos para Europa pode ser percebida sob vários prismas. Historicamente, essa analise pode começar a ser feita por meio da verificação de similitudes com o passado. Mas, como sempre, existem outras formas de observar a realidade, outros ângulos de observação que possam complementar ou refutar as ideias aqui avançadas. Mas, os actuais emigrantes, tiveram aonde buscar inspiração. Agora, talvez seja necessário mudar o paradigma eurocentrista de desenvolvimento, o que levará anos, mas eventualmente nos consiga controlar a crise migratória no mediterrâneo e a valorização das condições locais de vida. Essa valorização não pode confundir-se com conformismo ou fatalismo. Outrossim, deve ser uma valorização que nos permita traçar o nosso próprio destino e controlar a trajetória do nosso desenvolvimento.

 

Bibliografia

Al Jazeera. (Agosto de 2015). Al Jazeera. Obtido em 2015, de Al Jazeera: http://www.aljazeera.com/programmes/talktojazeera/inthefield/2015/06/african-migrants-drives-europe-150604124356795.html

 

 

 


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