COMO O IPCC NOS INFORMA SOBRE AS MUDANÇAS CLIMÁTICAS?
Nosso país, Moçambique, sendo constantemente afectado pelos efeitos nefastos das mudanças climáticas, enfrenta desafios incomensuráveis de ordem social, económica, financeira, etc. Daí, a necessidade de compreender o máximo possível acerca do fenómeno mudanças climáticas através da entidade que lhe tem estudado já há décadas. Por isso, neste texto, faz-se uma exposição sobre o International Panel on Climate Change (IPCC). Assim, revelamos o que é, quando surgiu, seus objectivos e, principalmente, seu funcionamento e sua importância nas nossas vidas.
O IPCC é uma sigla inglesa que em português significa Painel Internacional Sobre as Mudanças Climáticas e foi criado em 1988 por duas agências da Organização das Nações Unidas (ONU), que são a Organização Meteorológica Mundial (OMM) e Programa das Nações Unidas para o Ambiente (PNUA). É, portanto, aberto a todos países membros das agências supramencionadas (www.ecologique-solidaire.gouv.fr ). Actualmente 195 países são membros do IPCC e mais de 150 associações tem estatuto de observadores (www.ipcc.ch ). Quanto aos objectivos, o IPCC procura estudar a evolução do clima, suas causas e impactos, além de estudar a possibilidade de limitar os danos originados pelas mudanças climáticas. Importa mencionar que o IPCC faz seus estudos utilizando o método científico, embora não produza trabalhos científicos propriamente ditos, originais. Isto é, o IPCC organiza as principais publicações científicas relacionadas às mudanças climáticas, de forma multidisciplinar, depois analisa-as e produz um relatório sobre o estado do conhecimento relativo às mudanças climáticas, com base nessas publicações, que muitas vezes são de revistas científicas e de cientistas renomados. Tal relatório é publicado periodicamente, oferecendo aos líderes políticos uma visão sobre o estágio das mudanças climáticas, os riscos e opções à adoptar em linguagem relativamente fácil, mas mantendo o cunho científico, o que permite sua compreensão mesmo para quem não tenha formação científica.
O funcionamento do IPCC é baseado no sistema clássico de uma Organização Internacional. Desse modo, existe uma Assembleia Geral que se reúne uma ou duas vezes por ano e cada Estado membro é representado por um ponto focal nacional e as decisões são tomadas em consenso. Depois existe o Gabinete do IPCC que é o órgão executivo composto por cientistas eleitos pela assembleia geral representando diferentes disciplinas e regiões do mundo – isto é, existe uma preocupação pela diversidade científica, mas também regional. Este gabinete é composto por 36 membros dos quais o presidente, que desde 2015 é o senhor Hoesung Lee da República da Coreia; três vice-presidentes, que actualmente são os senhores Ko Barret dos Estados Unidos da América (EUA), Thelma Krug do Brasil e Youba Sokoma do Mali (www.ecologique-solidaire.gouv.fr).
O funcionamento operacional do IPCC depende de contribuições voluntárias dos Estados membros. Aqui, existe uma forte liderança financeira dos países europeus, principalmente depois da redução das contribuições financeiras dos EUA. As equipas de trabalho dos cientistas, mesmo que multidisciplinares são maioritariamente compostas por climatólogos, físicos, sociólogos e sócio-economistas. Na elaboração dos relatórios das suas análises o IPCC conta com a colaboração de cientistas renomados de diversas disciplinas e também diversas regiões do mundo, criando assim um equilíbrio disciplinar e geográfico, como nos referimos anteriormente. Tal equilíbrio visa procurar consenso e principalmente ter uma visão global interdisciplinar fundamentada, visto que as mudanças climáticas afectam à todos e de diferentes formas.
Os grupos de trabalho subdividem-se em três. O primeiro é o grupo de trabalho que estuda os princípios físicos das mudanças climáticas; o segundo grupo de trabalho estuda os impactos, a vulnerabilidade e a adaptação as mudanças climáticas; e finalmente o terceiro grupo estuda os meios de atenuação/mitigação das mudanças climáticas. Acrescenta-se um grupo especial que faz os inventários nacionais da emissão do gás à efeito estufa. Cada grupo de trabalho conta com dois copresidentes, um representando os países ditos desenvolvidos e outro representando os países ditos em desenvolvimento. Percebe-se assim, olhando para os grupos de trabalho, a importância dos diversos cientistas. Por exemplo, no primeiro grupo de trabalho, evidencia-se a importância de cientistas das ciências naturais, que produzem modelos teóricos sobre as mudanças climáticas e os aspectos físicos, químicos, biológicos e outros inerentes. No segundo grupo de trabalho, a importância dos cientistas sociais, torna-se premente, o mesmo acontecendo no terceiro grupo, pois estuda-se os hábitos das populações, suas relações com o ambiente, como elas são afectadas e o que se pode fazer para criar resiliência nas camadas afectadas.
Até hoje, 2020, o IPCC já produziu cinco relatórios de avaliação, prevendo publicar o sexto em 2022, designados pelas seguintes respectivas siglas, do primeiro ao sexto: FAR (First Assessment Report), SAR (Second Assessment Report), TAR (Third Assessment Report), AR4 (4th Assessment Report), AR5 (5th Assessment Report), AR6 (6th Assessment Report). Os mesmos foram publicados em 1990, 1995, 2001, 2007 e 2014. Esses relatórios são compostos em documentos de conteúdos com diferentes níveis de exposição científica. Existe o relatório principal contendo três volumes de cerca de 1500 páginas cada, aonde se descrevem detalhadamente todos aspectos pesquisados analisados pelo IPCC; segue um relatório de síntese de 30 a 50 páginas, menos detalhado; e um resumo de 5 à 10 páginas contendo apenas elementos importantes para auxiliar os líderes políticos.
À quando da elaboração desses documentos, o IPCC indica as causas, consequências e desenvolvimentos, além de também criar cenários, e de sugerir alternativas de acção para minimizar os danos das mudanças climáticas. Importa lembrar que, o primeiro relatório do IPCC, publicado em 1990, teve um forte contributo para o estabelecimento da Convenção Quadro das Nações Unidas Sobre as Mudanças Climáticas adoptada em 1992 no Rio de Janeiro e que entrou em vigor em 1994. Por seu turno, o segundo relatório, publicado em 1995, toma em conta as incertezas das previsões científicas mencionadas no primeiro relatório, mas avança pela primeira vez a parte humana nas mudanças climáticas, e foi este relatório que serviu de base para o protocolo de Kyoto. Ademais, o terceiro relatório, publicado em 2001, considerou que a dezena 1990 foi a mais quente dentro do período 1850-2000. Ainda, evoca uma responsabilidade humana nas mudanças climáticas, prevê um aumento da temperatura entre 1,4°C a 5,8°C entre 1990 a 2100 estimando que o ritmo das mudanças climáticas é sem precedente desde os dez últimos milénios. Este relatório aumentou o debate, social e político acerca das mudanças climáticas, incluindo sua mediatização.
Enquanto o quarto relatório, publicado em 2007, expõe a possibilidade de limitar o aumento da temperatura para até 2°C condicionando essa limitação à redução das emissões mundiais do gás de efeito estufa de entre 40% à 70% entre 2010 à 2050; neste âmbito, a descarbonização, i.e., redução da intensidade em carbono, na produção de eletricidade é uma componente essencial das estratégias de atenuação das mudanças climáticas, e este relatório serviu de base para a conferência de Copenhaga sobre o clima de 2009. Finalmente, o quinto relatório, publicado em 2014, realçou a parte humana nas mudanças climáticas e solidificou a ideia de aquecimento global, mas revelou que o mesmo não é uniforme – as diferentes regiões do mundo reagem de formas diferentes ao aquecimento global. Considerou também que os oceanos tem conservado parte significativa do calor, o que fez com que a temperatura destes aumentasse assim como sua acidez em virtude da absorção do gás carbónico; julgou que as mudanças climáticas criam perturbação do regime de chuvas e ventos e que também existem efeitos cumulativos de longo prazo.
De forma conclusiva, importa mencionar o cepticismo que caracteriza alguns opositores da ideia de mudanças climáticas, logo do IPCC. Resumidamente, este cepticismo baseia-se na ideia de que as mudanças climáticas são resultado natural da evolução do planeta terra. Efectivamente, esta é uma posição legitimada pelas constantes alterações climáticas que nos precederam. Se nos permitirmos uma pequena digressão, note-se que os geólogos consideram éon como a maior subdivisão de tempo na escala geológica; é uma unidade de tempo arbitrariamente grande qual alguns geólogos consideram ser de 1 bilião de anos. E os principais éones são Hadeano, Arqueano, Proterozoico e Fanerozoico. Este é um assunto complexo, não podendo ser cabalmente tratado em um parágrafo, mas podemos ter uma visão superficial. É assim que para finalizar a digressão, importa mencionar que a cada um desses éones, as temperaturas e outros aspectos inerentes a formação da terra sofreram alterações e, ainda, dentro da escala dos éones existem escalas relativamente mais curtas – eras, períodos, épocas e idades. Dentro de cada uma dessas escalas, houve também mudanças significativas no estado da terra, ergo na temperatura. Daí a justificativa “são apenas mudanças que já aconteceram antes de nós, logo, pelas quais não somos responsáveis”.
Adicionalmente, em 2009 houve um escândalo ambiental, também designado de Climategate. Anedoticamente, a designação de Climategate é inspirada do Watergate – escândalo político de espionagem doméstica nos EUA durante a administração Nixon, precisamente em 1972. O Climategate então, foi uma situação aonde foram expostos e-mails que sugerem uma conspiração que inclui, mas não se limita à, alteração de dados, gráficos e informações para validar a ideia de mudanças climáticas. Entretanto, para a defesa dos e-mails expostos foi considerado que os mesmos foram percebidos fora do contexto da correspondência. Esse escândalo aconteceu no Reino Unido, na Universidade de Anglia do Este, na Unidade de Pesquisa Climática,
Um último elemento ligado ao cepticismo sobre as mudanças climáticas está relacionado à presença de órgãos políticos no IPCC, o que pode retirar a credibilidade científica. Importa mencionar que a presença política no IPCC foi, paradoxalmente, fortemente sugerida pelos líderes políticos dos EUA e do Reino Unido na década 1980, Ronald Reagan e Margaret Tactcher, respectivamente. Essa presença política é para relacionar, de alguma forma, com o contributo que os países fazem. Pois, vimos que a operacionalização das actividades do IPCC é feita com base em contribuições voluntárias dos Estados membros, assim, quanto mais contribuem, mais vontade política de participar os Estados têm. E de forma ética, essa dependência financeira cria alguma dependência política. Em Relações Internacionais diz-se que “não há almoços de borla”, significando que os Estados querem retornos das suas contribuições, aliás investimentos financeiros.
Contudo, o IPCC tem o mérito de existir pois avança o debate científico sobre assuntos sensíveis para a manutenção da ordem e estabilidades mundiais. Certo, existem elementos por melhorar, como em tudo inerente à vida humana. Independentemente do estatuto que pretendemos ao IPCC, deve-se colher os aspectos importantes, os que fornecem uma ligação sustentada entre a teoria e a prática para melhorar a nossa resiliência e adaptação as mudanças climáticas. Quanto as críticas, elas permitem o aperfeiçoamento da noção de verdade acerca das mudanças climáticas.
Texto escrito por Amade Casimiro Nacir - Mestre em Ciências Sociais, especialista em Desenvolvimento Sustentável e Licenciado em Relações Internacionais e Diplomacia.
Parte da informação retirada de:
1. IPCC, consultado no dia 10 de fevereiro de 2020, pelas 22h11, www.ipcc.ch;
2. Ministério de transição ecológica francês, consultado no dia 06 de fevereiro de 2020, pelas 22h11, www.ecologique-solidaire.gouv.fr.
Comentários
Enviar um comentário