SUSTENTABILIDADE FORTE VIS-A-VIS SUSTENTABILIDADE FRACA: COMO SE SITUAR?
Neste relativamente
curto ensaio acerca da sustentabilidade, procuro expor o conceito de
Sustentabilidade no quadro da Economia Política do Desenvolvimento Sustentável
(EPDS). O conceito de sustentabilidade é usado inadvertidamente em vários ramos
de produção de saber, a título ilustrativo, no ramo da ecologia, da política, das
finanças, ou mesmo da informática. Mesmo que este conceito conserve suas
principais características quando é usado pelos vários ramos de saber, tem
existido algumas subtilidades que importam mencionar. Assim, neste ensaio,
começarei por expor o conceito de sustentabilidade comumente aceite no âmbito
da EPDS; de seguida, vou explorar os aspectos que julgo importante no quadro da
distinção entre as duas abordagens que existem acerca da sustentabilidade em
EPDS: Sustentabilidade Forte e Sustentabilidade Fraca, o centro do presente
ensaio. Depois, explorarei os pontos de contacto entre estas duas abordagens e,
finalmente fornecerei o meu ponto de visão acerca da sustentabilidade em EPDS, qual
complementarei expondo o paradoxo existente no conceito de Desenvolvimento Sustentável
(DS). Para produzir o presente texto, explorei a técnica de revista documental.
Etimologicamente,
a palavra sustentável tem origem no latim sustentare, que
significa “sustentar”, “apoiar” e “conservar”. (www.significados.com.br).
Com tempo, esta palavra vai dar o significado de DS: a actividade que consiste
em usar os recursos naturais para o desenvolvimento da sociedade actual sem
comprometer o uso dos mesmos para satisfazer as necessidades das gerações
futuras (Emas, 2015). Esta contextualização permite localizar a
Sustentabilidade Forte e seu paralelo, a Sustentabilidade Fraca, pois todo o
objectivo da discussão entre estes dois termos é em volta de como alcançar o DS.
Por isso, em EPDS o conceito de sustentabilidade é composto pela importância do
sector económico para o desenvolvimento, mesmo que em princípio a definição acima,
conceptualizada em 1987 pelo relatório Brundtland, é tida como referência.
Dessarte, as duas
sustentabilidades, forte e fraca, buscam perceber como se pode manter o
desenvolvimento económico, usando os recursos naturais sem comprometer o futuro
desse crescimento económico, consequentemente das gerações que seguirão. Este é
o primeiro ponto de contacto no âmbito da distinção entre as duas formas de
sustentabilidade, isto é, as duas procuram respostas à questão ‘como manter o
desenvolvimento económico’? seguirão os outros pontos, ao curso do ensaio. Um
conceito que acompanha esta discussão é o de capital natural, que é mais do que
recursos naturais, sendo o conjunto de bens naturais ao serviço dos seres
humanos; assim, os recursos naturais são uma parte do capital natural.
(…) natural capital is a set of complex
systems consisting of evolving biotic and abiotic elements that interact in
ways that determine the ecosystem’s capacity to provide human society directly
and/or indirectly with a wide array of functions and services (Pelenc, Ballet et Dedeurwaerdere, 2015 citando
Noël and O’Connor, 1998; Ekins et al., 2003; De Groot et al., 2003; Brand, 2009[1]).
Primeiramente, a Sustentabilidade
Fraca é baseada na ideia de que os recursos naturais são substituíveis graças
ao capital tecnológico que é, este último, em constante progresso (idem). Depois, o mercado vai se autorregular
em função do equilíbrio general que é representado pelo óptimo de Pareto –
situação qual não se pode melhorar a satisfação de um agente económico sem
deteriorar a satisfação de outro agente económico. Nesta configuração, o poder público
tem pouco valor e a economia, no seu sentido prático, tem primazia sobre o
primeiro.
Seguidamente, a Sustentabilidade
Forte baseia-se na ideia de que os recursos naturais não são substituíveis. Por
não serem substituíveis é necessário que os poderes públicos regulem a
actividade económica que utiliza os recursos naturais (idem). Essa regulação vai se efectuar através dos instrumentos
económicos de luta contra as mudanças climáticas: regulamentais, que se
manifestam através de interdições, regra geral; e fiscais, que se manifestam
através de imposição de taxas, regra geral.
Atentar para o facto de
que tanto o óptimo de Pareto como os instrumentos económicos de luta contra as
mudanças climáticas, os dois são fenómenos de internalização dos efeitos
externos das actividades económicas. Isto é, normalmente as actividades
económicas produzem efeitos externos, termo introduzido por Alfred Marshal
(Berta, 2008), e esses efeitos externos podem ser positivos tanto como
negativos. Exemplo de um efeito externo positivo é o benefício ganho por um
agente económico graças as actividades de um outro agente económico sem que se
passe pelo mercado, inversamente, teríamos um efeito externo negativo. Quando
apenas existem efeitos externos positivos, não há preocupações, essas surgem
quando se observam efeitos externos negativos. Daí a necessidade de
internalizar tais efeitos, lhes fazer parte do processo económico à fim de que não
se prejudique determinados agentes económicos em detrimento de outros; de outra
forma escrito, reequilibrar a economia.
Assim, enquanto os
proponentes da Sustentabilidade Fraca consideram que o óptimo de Pareto permite
a internalização dos efeitos externos, graças ao próprio mecanismo económico,
os proponentes da Sustentabilidade Forte consideram que a internalização dos
efeitos externos é apenas possível usando os instrumentos económicos de luta
contra as mudanças climáticas, pela intervenção do poder público. Essas duas distinções
sobre a forma como internalizar os efeitos externos das actividades económicas são
a continuação do debate inicial acerca da substituição ou não do capital
natural.
Não obstante a
existência do debate entre essas duas abordagens, há também pontos de contacto,
alguns dos quais mencionados acima. Desse modo, julgo que dois podem aglomerar
os restantes e guiar o fim deste ensaio: 1 – existem capitais naturais críticos
que são difíceis de substituir; 2 – existem capitais naturais que podem ser
substituídos. Em resumo, não há simetria entre os diferentes capitais naturais.
Importa antes mencionar que o capital natural nos ajuda a viver, senão a
sobreviver. Sem a existência de capitais naturais, conjunto do capital natural separado,
a vida que conhecemos seria deveras diferente, pois é graças aos mesmos que
conseguimos respirar (ar), ingerir líquidos (água), produzir alimentos (terra),
et cetera. Ainda, pode-se mencionar a
cultura (monumentos e práticas imateriais). Esta é apenas uma caricatura
daquilo que se chama serviços do ecossistema ou serviços ambientais. Quanto ao
objecto de reflexão, os dois pontos avançados acima nos oferecem uma
complexidade de elementos.
Por um lado, a aceitação
de que existem capitais naturais críticos que são difíceis de substituir é tudo
menos racional. Este posicionamento dos proponentes da Sustentabilidade Fraca expõe
que o avanço tecnológico não permite que possamos substituir o capital natural
e manter o nível de vida do ser humano intacto. Exemplo caricatural dessa não
substituição é o facto de não existir tecnologia que permita sintetizar a água.
Veja-se que o avanço tecnológico é extremamente exponencial quando comparado ao
avanço linear de vários outros sectores de actividade da sociedade contemporânea
global. Mesmo com tal avanço, existem problemas relacionados ao meio ambiente
que não tem uma solução à vista, exemplifico o caso da poluição do ar em países
como a China, para adicionar ao exemplo da não sintetização da água.
Por outro lado, não é
menos verdade que existem capitais naturais que podem ser substituídos. Um
exemplo simples de verificar é referente a produção de corrente elétrica. Se
durante muito tempo houve um excessivo uso de energias fosseis, o
desenvolvimento tecnológico permite hoje que se use a energia nuclear e, sobretudo
as energias renováveis (eólica, biomassa, solar, hidráulica, fotovoltaica,
entre outras). Este é por si um exemplo flagrante de que, efectivamente existem
capitais naturais que podem ser substituídos e/ou usados de outra forma graças
ao avanço tecnológico.
Outrossim, é possível
perceber que mais uma vez, existe o risco de passar-se ao lado do que é
importante pois, quando se discute sobre dois conceitos a priori opostos, é tendencioso que se queira eliminar um para que
o outro seja aplicado. Todavia, os pontos de contacto acima citados mostram que
estes conceitos, abordagens e sobretudo modus
operandi, não são mutualmente exclusivos. São conceitos que de facto não se
corroboram um ao outro mas tem bases comuns que se trabalhadas podem fornecer
um quadro completo para o uso sustentável do capital natural, permitindo que a
logo prazo a humanidade não se autoextinga.
Entretanto, é oportuno
deixar um ressalvo ao conceito de DS que é periférico nesta discussão. Como
vários outros conceitos, ele carrega uma performotividade que lhe é
frequentemente aumentada nos debates actuais. Quando lhe mencionamos, assumimos
apenas as características benéficas do mesmo e não conseguimos lhe indagar.
Todavia, actualmente depreendo que este conceito é um oximoro pois, o DS consiste na proposição de que é possível fazer-se o
desenvolvimento económico enquanto se salvaguarda os recursos naturais e
garantindo uma estabilidade social, quer dizer, um desenvolvimento tripartido –
económico (que permite o continuo crescimento do Produto Interior Bruto – PIB),
social (aceitável pela população) e ecológico (que respeita os limites da
natureza).
Entretanto,
o modelo de desenvolvimento económico praticado actualmente, incluindo o desde
a instituição do conceito de DS em 1987, tem como base a exploração maciça do
capital natural. Desse modo, como se pode
garantir a sustentabilidade, a salvaguarda dos recursos naturais para as futuras
gerações, se tais recursos naturais são um meio para o crescimento económico
que proporciona desenvolvimento? Isto é, não existe, na prática um paralelismo
entre recursos naturais e desenvolvimento económico, o que cria uma supremacia
do último face ao primeiro, trazendo consequências para a sociedade – como por
exemplo a seca ou variação de períodos chuvosos por causa das mudanças climáticas.
Finalmente, pode-se questionar a pertinência do conceito DS, em resultado de
sua fraca aplicabilidade e o paradoxo que lhe caracteriza!
Em suma, entre bem ou
mal, melhor ou pior, os conceitos existem. O que se deve fazer, é aplicar cada
conceito a cada realidade, mas se e só se for aplicável. De outra forma, as
zonas geográficas que tem algum défice acerca de como implementar medidas
relacionadas ao DS, que se pensa ser a salvação para o combate contra as
mudanças climáticas, a Sustentabilidade Forte ou Fraca, maioritariamente
composta por países do hemisfério sul, podem correr o risco de repetir os erros
cometidos pelos países ditos desenvolvidos. Não são todos conceitos que precisam
ser aplicados, e se se for aplicar, existem mil e uma forma de lhes aplicar,
pois existem mil e uma realidades, uma multiplicidade epistemológica e real.
Referencias bibliográficas
1.
BERTA N.,
(2008), Le concept d’externalité de
l’économie externe à ‘l’interaction directe’ : quelques problèmes de
définition, Documents de Travail du Centre d’Economie de la Sorbonne,
Centre National de la Recherche Scientifique.
2. EMAS R., (2015), The Concept
of Sustainable Development: Definition and Defining Principles, Brief for GSDR
2015.
3. PELENC J., BALLET J.,
DEDEURWAERDERE T., (2015), Weak
Sustainability versus Strong Sustainability, Brief for GSDR 2015.
4. SIGNIFICADOS, (2018),
Sustentabilidade, consultado no dia 27 de dezembro de 2018. https://www.significados.com.br/sustentabilidade/;
5.
TODA MATERIA, (2018), O ensaio como género textual, consultado no dia 26 de dezembro de
2018. https://www.todamateria.com.br/o-ensaio-como-genero-textual/;.
[1] Noël, J-F., O’connor, M. (1998). Strong
Sustainability and Critical Natural Capital. In : Faucheux, S., O'Connor, M.,
(Eds.), Valuation for Sustainable Development: Methods and Policy Indicators. Edward Elgar Publisher, Cheltenham,
pp. 75–99.
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