TRANSIÇÃO ENERGÉTICA, UM ELEMENTO FULCRAL NO QUADRO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
Artigo escrito
por:
Amade Casimiro
Nacir[1]
Passam-se já algumas dezenas de anos desde que o conceito
de Desenvolvimento Sustentável (DS) tornou-se importante no Sistema
Internacional (SI) (Baltrix et Dauguet, 2017). Por seu turno, o conceito de Transição
Energética (TE), este é relativamente recente. Mesmo se após as crises de petróleo
da década 70[2],
a preocupação de diversificar as fontes de energia incrementou, a noção de
transição energética torna-se universal há alguns anos (Fonseca, 2014). Contudo, atualmente não se pode falar do DS
excluindo a TE, vice-versa.
Desenvolvimento
epistemológico e problemática
Aos nossos dias, como mencionado acima, a noção de DS e
de TE é de elementos inseparáveis, fazem parte do mesmo quadro de analise, mas
isso nos é exclusivo. Antes de efetuar uma discussão paralela entre DS e TE,
este último conceito merece alguma atenção. De forma caricatural, o dicionário
Priberam de língua portuguesa considera que transição é o facto de passar de um
assunto ou estado para outro (www.priberam.pt).
Mecanicamente a TE é de mesma forma antiga que o conceito
de energia. Isso é, a humanidade sempre efetuou a transição energética, i.e.,
do fogo para as energias fósseis, das energias fosseis à energia eólica, da
energia eólica à energia hidráulica, solar, nuclear, etc. em sentido difuso
(www.edp.com). Todavia, a TE no quadro do DS é suis generis se considerar-se que atualmente faz-se a transição com
o fim de abandonar o uso de energias não renováveis (não reutilizáveis),
substituindo-as pelas energias renováveis (reutilizáveis). E veja-se que as
energias não renováveis são maioritariamente compostas pelos combustíveis
fosseis[3],
sendo que os combustíveis fosseis são perigosos para o ambiente (Toubeau,
2009).
A transição atual diferencia-se, portanto, das transições
que se efetuaram anteriormente. Antes, a preocupação era o crescimento económico
e eficácia energética, o que continua na agenda atual; todavia atualmente
adiciona-se a tais preocupações, a preservação do meio ambiente, a natureza.
Eis o ponto importante quando distinguimos as transições efetuadas
anteriormente e a que enfrentamos hoje. Assim, esclarece-se a necessidade de
fazer-se uma abordagem totalmente diferente das anteriores: atualizar o
contexto.
Dicotomia
ou complementaridade?
Por que serão os conceitos de DS e de TE complementares?
Qual a ligação entre eles? Não será possível fazer o DS separadamente da TE? São
estas algumas das questões que se vão discutir doravante. Importa mencionar que
soluções são particulares e não absolutas, assim não são monopolizáveis.
Por um lado, o conceito de DS é ao mesmo tempo antigo e
recente. Primeiramente, assumindo que o ser humano sempre percebeu a
necessidade de estar em harmonia com a natureza, preservar o meio ambiente, não
destruir tanto a natureza assim como o meio ambiente, percebe-se que o DS vem
desde os primórdios da humanidade. Pode-se discutir, entretanto a nomenclatura.
Seguidamente, o conceito de DS é também recente se percebermos que até as
décadas 70 e 80 este conceito não tinha a importância que passou a ter[4]
internacionalmente. Portanto, é ao fim do século XX que nasce a preocupação
internacional institucionalizada sobre o conceito de DS e atividades
relacionadas a este.
Emas (2015) considera que o relatório da comissão Brundtland,
denominado “Nosso Futuro Comum”[5]
que introduz o conceito de DS que conhecemos atualmente – um desenvolvimento
que responde as necessidades do presente sem colocar em perigo a habilidade de
futuras gerações de satisfazerem suas necessidades – é um marco no processo de
institucionalização do DS. Este conceito acautela as necessidades económicas de
crescimento e o respeito ao meio ambiente, tornando-o multidisciplinar. Ademais
quando se fala de pilares do DS inclui-se três: desenvolvimento social, preservação
do meio ambiente e crescimento económico
Por outro lado, é em 2015 que, dentro do quadro dos Objetivos
de Desenvolvimento Sustentável (ODS), se institucionaliza a necessidade de se efetuar
a transição energética através do sétimo ODS. Este objetivo tem por fim
“garantir para todos, o acesso aos serviços energéticos fiáveis, sustentáveis e
modernos, a um custo acessível” (www.onu.org). Destarte, compreende-se que a TE não é um elemento alheio ao DS, pelo
contrário, ela é inerente ao processo de DS.
Todavia, se para efetuar-se o DS deve-se preservar a
qualidade de vida das gerações futuras, as fontes de energia não renováveis, combustíveis
fósseis, são incompatíveis ao processo DS. Pois, se não são renováveis, as
gerações futuras poderão não ter a oportunidade de as usar. Necessita-se então
de limitar a utilização de fontes não renováveis, eventualmente interdir sua
utilização; depois, necessita-se potencializar a utilização de fontes renováveis,
eventualmente força-las. Como fazer, então?
Necessidade
de uma relação simbiótica
Embora exista um desenvolvimento histórico diferente
desses dois conceitos – DS e TE –, atualmente existe a necessidade de manter
uma relação positiva entre estes dois. A TE é um elemento fulcral no quadro do
DS. A importância da TE para efetuar o DS reside no facto de, a “energia [ser]
o principal fator que contribui as mudanças climáticas. Ela representa cerca de
60% de emissões mundiais de gaz a efeito estufa” (www.onu.org).
Por conseguinte, com a transição energética pode-se
reduzir esse número (60%) e desse modo evitar comprometer a possibilidade das
futuras gerações satisfazerem suas necessidades. Isso é, fazendo a TE controlar-se-á
melhor a utilização das fontes de energia não renováveis mais também poderá se
dominar o uso das fontes renováveis. Esse domínio vai permitir, a longo prazo,
por via da substituição dos modos de utilização e consumo de energia, garantir
a realização do DS.
Efetivamente, o que nos permitirá alcançar o DS, no
âmbito da TE, é o facto de integrar a última como um meio de fazer o primeiro.
Significa isso que, não deve-se separar o DS da TE e as politicas com vista ao
DS devem ser integrativas e não segmentares. A TE é uma condição necessária
para o DS.
Os
desafios no âmbito da TE
Um aspeto que esta sempre presente, em diferentes
assuntos da sociedade é a educação. Minha proposição é que se tenha uma visão
holística da educação – não no sentido secular e literal da palavra, mais o sentido
de pertença, no sentido de existência de conhecimento e reconhecimento dos
problemas sociais e consequente engajamento para os solucionar. É relevante que
se mude a forma de consumo, a forma qual olhamos para a energia e sobretudo,
que a ideia de fazer TE para salvaguardar o DS torne-se aceitável. Importa educar
a população sobre a energia, vulgarizar os conceitos científicos. Assim, com
uma população sensível sobre o DS e também a TE, melhor se vai implementar as políticas
ambientais, energéticas, entre outras. A população conhecerá seu papel para o
sucesso de tais políticas.
Igualmente, a inovação é um aspeto pertinente, mesmo para
países em desenvolvimento, como Moçambique. Aliás, ela é talvez mais importante
para países em desenvolvimento. Com a inovação pode-se produzir melhor as
energias renováveis mais também lhes distribuir de forma menos cara e aumentar
sua eficácia. É neste contexto que Fonseca (2014) considera que o investimento
para criar redes inteligentes de energia é importante para que o consumo e a produção
estejam em consonância. Com tal tipo de redes poderemos economizar mais e
apenas usar o que deve ser usado, protegendo dessa forma a sustentabilidade.
Adicionalmente, é importante que os poderes públicos e os
cidadãos, de igual forma, saibam que a transição leva tempo. A transição
energética representa uma mudança gradual na composição e estrutura de um
sistema energético (ibid). Esta ideia
nos chama atenção a noção de processo, sendo, a transição energética far-se-á a
longo prazo e não da noite ao dia, senão falaremos de mudança e não transição.
Esta consciência é estritamente ligada a educação.
Finalmente, é importante compreender que a noção de educação,
inovação e tempo, estão ligadas. Se estes aspetos estão ligados, devemos então
saber que um depende de outro e eles formam um sistema mesmo se podem existir
alguns outros fatores importantes não mencionados neste ensaio. O pertinente é
de sempre ter na ideia a necessidade de um paralelismo entre estes fatores pois
qualquer tentativa de hierarquiza-los, pode ser contraprodutiva. Ademais, é
importante mencionar que a transição não pode ser vista como um aspeto exclusivo
aos países desenvolvidos. Todos países podem e devem lhe efetuar. Com isso não
quero escrever que, por exemplo não devemos concentrar-nos na industria do gaz
ou do petróleo, ou ainda na extração mineral. Quero sim escrever que, podemos
fazer a transição em paralelo a utilização das energias fosseis, afinal existe
o imperativo de crescimento económico.
O
que esperar da TE
Enfim, é razoável afirmar que o que se precisa atualmente
é de trabalhar juntos, sociedade e poderes públicos a escala nacional e
internacional, para limitar a utilização de energias fosseis aumentando a
produção e consumo de energias renováveis, também chamadas de energias verdes.
Esta Ação deve ser concertada, na medida em que todos países precisam avançar
juntos para alcançar os objetivos definidos a
priori – a quando da delimitação dos ODS ou em conferencias das Partes
(COP). O risco de não se fazer uma concertação, é de existirem países fazendo o
esforço de implementar a transição enquanto outros nada fazem para alcançar
este objetivo. Em última instancia, tal fenómeno colocará em perigo os ODS.
Assim, percebo dois aspetos importantes, dentre inúmeros possíveis: cooperação
internacional e urbanização/ordenamento territorial[6]
A cooperação internacional toca em vários aspetos e não
seria possível menciona-los todos neste ensaio. Entretanto, primeiramente é
importante efetuar acordos envolvendo «todos» países, como os acordos de Paris
(Cop21). Mas, é ainda mais importante que esses acordos permitam um vinculo sem
precisar passar pela ratificação, para evitar o “fenómeno Estados Unidos da
América (EUA)”[7].
Uma mudança de paradigma no âmbito do Direito Internacional Público. Tais
acordos devem explicitamente abordar a redução do uso das energias fosseis e o
incremento do uso de energias renováveis, de acordo com a realidade de cada país,
o que nos permitirá de ter um quadro de como se esta prosseguir rumo ao alcance
ou não dos objetivos definidos e o que necessita de ser feito.
O segundo aspeto é a transferência de tecnologia. Esta
vai permitir reduzir as assimetrias entre diferentes países. Pois, se existe o objetivo
de fazer o DS é importante que todos países sejam capazes de lhe fazer, mas
acima de tudo que os instrumentos sejam semelhantes. Não se pode alcançar o objetivo
de TE, de forma universal, se alguns países usam uma tecnologia de 1980 e
outros usam determinada tecnologia de 2015. Assim, todos países devem aceitar
que mesmo se o objetivo de fazer a TE é global, as realidades são especificas,
diferentes. É certo que haverão países que levarão mais tempo que outros, em função
das realidades especificas mencionadas, mesmo a transferência de tecnologia
tornando-se facto. O conhecimento dessa realidade é indispensável.
O ordenamento territorial é um problema que afeta mais os
países em desenvolvimento relativamente aos países desenvolvidos. Sendo
Moçambique um país em desenvolvimento, essa não é uma realidade alheia. Embora
que «entre 2000 a 2014, a proporção de pessoas vivendo em bairros degradados
das cidades de regiões em desenvolvimento passou de 39,4% para 29,7% » (ONU,
2015 :52) este problema ainda existe. O ponto significativo é que a distribuição
de energia se torna difícil quando os edifícios que devem ser eletrificados
foram construídos sem alguma diretiva do poder público. Há mesmo construções perigosas
para serem eletrificadas. Existe a necessidade de saber-se quais são os
melhores terrenos para se construir áreas residenciais, complexos industriais, etc.
e em função dessa distribuição geográfica pode-se aumentar a eficácia
energética. Trata-se de saber onde construir para melhor utilizar a energia.
Referencias
bibliográfica
1. EDP,
(2017), Historia da Energia,
http://www.edp.com.br/pesquisadores-estudantes/energia/historia-da-energia/Paginas/default.aspx.
2. EMAS R.,
(2015), The Concept of Suitanable
Development: Definition and Defining Principles, Brief fo GSDR, Florida
International University.
3. FONSECA
P., (2014), Transiçao Energética: O Papel
das Redes Inteligentes de Energia, Janus, Conjuntura Internacional.
4. ONU,
(2017), Objectifs de Développement
Durable. 17 Objectifs Pour
Transformer Notre Monde,
http://www.un.org/sustainabledevelopment/fr/energy/.
5. ONU,
(2015), Objectifs du Milenaire Pour le
Developpement. Raport 2015, Nations Unies, New York.
6. OKA M.
M., (2000), Historia da Electricidade,
Versão 1,0, Brasil.
7. TOUBEAU
T., (2009), L’énergie sous toutes ses
formes, Fiches thématiques, AplicaSciences, Faculté Polytechnique de Mons.
8. PRIBERAM,
(2017), www.priberam.pt.
[1]
Licenciado em Relações Internacionais e Diplomacia, pelo Instituto Superior de Relações
Internacionais (ISRI – Maputo) e mestrando em Ciências Sociais – Plataforma Transição
Para Sustentabilidade na Universidade Paris Saclay.
[2]
Primeiro em 1973 e depois em 1979.
[4] A
conferencia de Estocolmo e o relatório Brundtland impulsionaram sobre maneira a
consciencialização ambiental e o desenvolvimento de DS, respetivamente.
[5] Tradução livre do inglês “Our Common
Future” e do Francês “Notre Avenir à
Tous”
[7] “Saída” dos EUA dos acordos de Paris.
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