Principais perspectivas geopolíticas para o ano 2024
Principais perspectivas geopolíticas para o ano 2024
Os ciclos nos ajudam a organizar a vida, seja
individual ou colectiva. Segundos, minutos, horas, dias, semanas, meses, anos,
décadas, centenas ou milénios. A cada um desses ciclos, podemos nos reinventar,
recomeçar ou reajustar os nossos planos. Aliás, Drummond considerava que “quem
teve a ideia de cortar o tempo em fatias, (…)” foi um individuo genial. Mas a
divisão do tempo faz ainda mais sentido quando conseguimos perspectivar o
futuro; tal como considerava o primeiro presidente moçambicano, Samora Moisés
Machel: estudar o passado, para compreender o presente e perspectivar o futuro.
E, na verdade, essa última cognição nos
interessa aqui: perspectivar o futuro. Porquanto 2024 prevê-se um ano
“movimentado”, nas relações internacionais, com conflitos em curso, eventos
climáticos extremos, mas também possibilidades de mudanças estruturais, devido
as demasiadas eleições que se vão realizar neste ano, em diferentes quadrantes.
i.
A transição dos principais conflitos: russo-ucraniano e Israel-Hamas
Inicialmente, o conflito russo-ucraniano como
o conhecemos hoje, caracterizado pela guerra entre os dois Estados, iniciou em
fevereiro de 2022. Depois de muitas metamorfoses, ainda não há clareza sobre
seu fim. E o ano 2024 pode trazer novos elementos para analise, por um lado, e
para o fim, por outro lado. As eleições na Rússia, na Europa, e nos Estados
Unidos da América (EUA) podem mudar os contornos do conflito. Podemos aqui
destacar as dificuldades dos parceiros ocidentais em manter o volume, precisão
e velocidade no apoio militar a Ucrânia. Porquanto, os EUA continuam divididos
quanto a necessidade de mais pacotes de ajuda para a Ucrânia, e essa divisão
pode acentuar-se com a evolução eleitoral que vai culminar com as eleições ao
fim do ano.
Ademais, a mesma discussão, embora em
intensidade reduzida pode ser vivenciada no período eleitoral europeu. A lógica
é, há dificuldades económicas na Europa e há dinheiro a ser canalizado para
Ucrânia, então, esse dinheiro canalizado para a Ucrânia pode ser usado
internamente (nos países europeus) para acautelar as dificuldades económicas
internas. E os políticos tenderão a capitalizar esse argumento, com objectivo
de responder a demanda popular. E sem ajuda ocidental, dificilmente a Ucrânia
vai conseguir manter a guerra contra a Rússia, que continua, essa última,
obstinada em realizar o que chama de “objectivos da operação especial”, quais
menciona “denazificação e desmilitarização da Ucrânia”.
Seguidamente, para o segundo conflito, podemos
destacar a ação da África do Sul para a Corte Criminal Internacional (CCI). A
África do Sul acusa Israel de cometer genocídio na Faixa de Gaza
Portanto, se o apoio dos EUA para Ucrânia
ficar ainda mais condicionado e se acções como a da África dos Sul fizerem
moda, podemos afirmar, cautelosamente, que esses dois conflitos podem começar a
ver seu fim ainda neste ano. E é importante que se alcance a paz em ambos os
conflitos, porquanto tem impactado o mundo de forma humanitária, económica, social,
cultural e política, para não mencionar outros impactos. Notemos aqui o papel
preponderante de Moçambique no seio do Conselho de Segurança das Nações Unidas
(CSNU), adoptando uma neutralidade construtiva para o primeiro conflito e
propondo um cessar fogo (junto com os demais membros do CSNU, salvo os EUA)
para o segundo conflito.
ii.
Eleições presidenciais e legislativas por volta do mundo
Este ano, 2024, poderá ser o maior ano
eleitoral do mundo moderno
Comecemos pelo continente asiático. Podemos
destacar as eleições em Taiwan, na India, Paquistão, Bangladesh, Sri Lanka e
Indonésia. Primeiramente, em Taiwan, os taiwaneses vão
decidir entre o Partido Democrático Progressista e o Kuomintang; o primeiro
defende uma maior independência de Beijing enquanto o segundo adopta uma postura
mais próxima da China Continental. Lembremos que, quando falamos de China,
existem duas acepções: a primeira é a de China Continental, isso é a República
Popular da China, liderada por Xi Jinping, e a segunda nos remete a Taiwan,
oficialmente República de China, liderado pela senhora Tsai Ing-Wen. Ambos,
Beijing e Taipei, reivindicam ser China original. Por um lado, China
Continental aplica a política de uma só China, “exigindo” que os Estados
escolham reconhecer diplomaticamente uma só China, no caso a continental, o que
implicitamente inclui Taiwan como parte da China continental; política
denunciada e discordada por Taiwan que almeja ser um Estado independente, que
na verdade o é, de facto, não o sendo de júri (poucos Estados reconhecem Taiwan
como Estado independente, embora mantendo relações políticas, comerciais,
culturais com Taiwan).
As relações entre EUA e Taiwan são enquadradas
no “Taiwan Relations Act”, do Congresso norte-americano, que
resumidamente favorece o fornecimento de capacidades de defesa para Taiwan,
providenciadas pelos EUA
E em abril, na India serão realizadas
eleições igualmente. Um processo eleitoral que poderá durar cerca de dois meses
(8 semanas), considerando a quantidade da população indiana e a vastidão do
respectivo território
Em fevereiro, Paquistão vai observar
eleições. Os principais partidos tradicionais têm relativa vantagem
Em Bangladesh, realizaram-se já as
eleições a 7 de janeiro de 2024, e neste 8 de janeiro a actual
primeira-ministra venceu-as. Assim, Sheikh Hasina vai cumprir seu quarto
mandato consecutivo, tornando-se a mulher com mais anos de serviço como líder
de algum país, em eleições boicotadas pela oposição
Por sua vez, em junho, a Europa tem
marcada suas eleições para o parlamento europeu. 427 milhões de cidadãos vão
votar
Em paralelo, 27 países vão eleger deputados
para o Parlamento Europeu. As principais contendas incluem duas grandes
famílias políticas: Partido Popular Europeu, mais a direita; e Aliança
Progressista e Socialista Democrática, mais a esquerda. O que sugere uma
dificuldade de existência de ganhos absolutos
Entrementes, para março, estão previstas as
eleições na Rússia, onde existem aproximadamente 100 milhões de
eleitores
Mais para cima do continente europeu, Rishi
Sunak, do Partido Conservador tem perdido apoio no Reino Unido, o que
pode condicionar a vitoria do seu Partido nas próximas eleições. Embora ainda
sem data, essas eleições podem acontecer até janeiro de 2025, mesmo se as
eleições municipais já começaram.
No continente americano, nas três
américas (norte, centro e sul), destaquemos as eleições em 7 países. Os EUA,
Venezuela, Uruguai, El Salvador, Panamá, México e Brasil vão registar eleições.
Ao fim do ano, talvez numa das mais importantes eleições deste ano, pela
importância geopolítica desse pais, os EUA vão realizar eleições
presidências e legislativas: eleição do presidente, 1/3 no senado, e camara dos
representantes
Para o segundo semestre de 2024 estão
previstas as eleições na Venezuela. Entretanto, Maria Machado, uma das
mais vocais opositoras do acual líder, Nicolas Maduro, teve seus poderes
políticos caçados. Aqui importa mencionar a crise sobre Esequibo, região
actualmente pertencente a Guiana, mas reivindicada recentemente pelo líder
venezuelano, Nicolas Maduro, como parte da Venezuela. O assunto Esequibo vai
certamente influenciar a campanha eleitoral na Venezuela
No México, provavelmente emerja a
primeira presidente do sexo feminino. Claúdia Chaunbaum, ex-presidente
municipal de México (cidade) tem apoio do actual Presidente mexicano, Lopes
Lobrador. E Chaunbaum vai concorrer contra Xóchitl Gálvez, que une sobre ela a
oposição mexicana: um dos principais problemas em debate é o crime quase
endémico nas cidades mexicanas. Assim, os mais de 80 milhões de eleitores no
México
No Brasil, em outubro, cerca de 150
milhões de brasileiros vão votar em eleições municipais, o que se percebe ser
um indicador da disputa que envolveu o actual presidente Lula da Silva e Jair
Bolsonaro. Isso é, nalguns municípios, principalmente nas metrópoles, podemos
ver a continuação das disputas entre os aliados de Lula versus aliados
de Bolsonaro: o que poderá nos ajudar a medir o apoio actualmente existente
para um ou outro líder, mesmo se Bolsonaro não poderá concorrer as próximas
eleições presidências brasileiras, ao menos pela corrente situação jurídica/judiciaria.
No continente africano, “dezassete
países da África Subsariana têm eleições agendadas para 2024. Dos 17, 11 vão
escolher o seu chefe de Estado”
Seguidamente, no Ruanda, Paul Kagame
poderá reeleger-se para o seu quarto mandato na direção do pais. O mesmo poderá
suceder com Salva Kiir no Sudão do Sul. As eleições que activam algumas
expectativas pela dificuldade de projeção dos resultados sucederão na República
da África do Sul, onde o partido African National Congress (no poder desde
o fim do Apartheid) poderá ter dificuldades em conseguir maioria absoluta nas
legislativas, mesmo que a Aliança Democrática (DA) não poderá vencer essas
eleições. Na equação entra igualmente o partido de Julius Malema, Lutadores da
Liberdade Económica (EFF) que pode aumentar seu peso político em função de
algum descontentamento face ao ANC no seio dos eleitores sul-africanos.
Adicionemos a esse descontentamento os discursos de veteranos como Mavuso ou
Zuma, que criticam a gestão do pais pelo ANC.
iii.
Tensões geopolíticas na África ao norte do Ecuador
Aqui, o ponto a considerar nos remete a
continua instabilidade na África ocidental e os conflitos no corno de África.
Os golpes de Estado que tem caracterizado essa região, da Africa Ocidental, podem
não ver seu fim neste ano, porquanto, esses têm uma característica quase
endémica. E se não se verificarem mais golpes de Estado, é provável que existam
tentativas de golpe de Estado. Essa consideração, infelizmente negativa, surge
porque percebe-se que os problemas que “justificaram” os golpes de Estado ainda
persistem. E são estruturais. Dai, a necessidade de um novo contrato social, em
função dos desafios dos países e do desiderato popular.
Quanto ao corno de Africa, è provável que o
conflito no Sudão continue a fazer vítimas, pois não se vislumbra ainda
uma saída efectiva do mesmo. Acrescentemos o Memorandum de Entendimento entre Etiópia
e Somalilândia como outro factor de instabilidade nessa região. Somalilânidia
sendo uma região reclamada pela Somália como parte do seu território, e
que não é reconhecida internacionalmente como Estado, não tem a prorrogativa de
fazer relações internacionais a revelia do governo central Somali. Entretanto,
foi assinado no início do ano um Memorandum de Entendimento entre a região
secessionista de Somalilândia e o governo etíope, permitindo que a
Etiópia passe a ter acesso ao mar por via da Somalilândia
iv.
Eventos climáticos extremos
Não menos importante, para concluir este texto
que perspectiva os principais assuntos do ano 2024, é necessário abordar sobre
os eventos climáticos extremos. Eventos climáticos extremos são todos aqueles
fenômenos meteorológicos e climáticos, em grande proporção que afetam a
sociedade, como por exemplo: altas temperaturas, ou seja, termômetros marcando
mais de 50º graus, geadas acompanhadas de nevascas, longos períodos de secas e
de chuvas intensas; e que sucedem de forma mais recorrente e intensa, devido as
mudanças climáticas
Entretanto, essas perspectivas não podem ser
fatalistas. Existem mecanismos de prevenção dos danos que podem causar os
eventos climáticos externos. Por exemplo, uma das formas menos contestadas e
logicamente aceite é o plantio de árvore de diversos géneros para, por exemplo,
conter calor ou inundações urbanas. Desse modo, é possível agir e conter os
efeitos degradantes dos eventos climáticos externos.
v.
Conclusão
Todos os assuntos acima apresentados estão
interconectados e, de alguma forma, retroalimentam-se. Por exemplo os conflitos em curso, na Ucrânia e na
Palestina, impactam por o meio ambiente, por um lado, mas também a economia
global. Podemos notar que o fornecimento de grãos vindos da Rússia e Ucrânia,
que são dos maiores produtores de grãos reduziu significativamente, o que
afecta a produção de alimentos derivados, e em cadeia as economias nacionais,
logo a economia global. O conflito que ocorre na Palestina, com os ataques
incessantes de Israel à Faixa de Gaza ocasionou a entrada em cena do grupo
Houthis que condiciona a travessia marítima no mar vermelho, local nefrálgico
para o comercio marítimo global.
Por fim, as decisões políticas, resultantes
das campanhas e consequente eleição dos diferentes líderes políticos vão
influenciar a gestão dos desafios globais actuais. Por exemplo, se tivermos a
vitoria de Trump nos EUA, é provável que caminhos mais acelerados para paz
possam ser dados no conflito russo-ucraniano. E as decisões políticas vão
afectar as diferentes respostas para os eventos climáticos extremos. Então,
todos esses assuntos poderão merecer destaque neste ano.
vi.
Bibliografia
BBC News Brasil. (2024). Por que 2024 será o maior ano eleitoral da
história. Obtido de https://www.youtube.com/watch?v=OWMmoT0MUAM
Affaires Etrangeres .
(30 de Decembre de 2023). 2024, l'annee de toutes les elections. France.
Chen, H., Sud, V.,
& and Manveena Suri. (7 de January de 2024). Bangladesh Prime Minister
Sheikh Hasina secures fourth term in election boycotted by opposition.
Obtido de CNN:
https://edition.cnn.com/2024/01/06/asia/bangladesh-2024-election-opposition-boycott-intl-hnk/index.html
Financial Times -
Spiegel, P., Martin, K., & Moore, E. (02 de January de 2024). Markets,
elections and AI.
Info, T. (2024). Le
gouvernement sud-africain qualifie les actions d'Israël à Gaza de
"génocide". Obtido de https://www.youtube.com/watch?v=m8LIi39ITBw
Macedo, V. (7 de
Janeiro de 2024). Eventos climáticos extremos devem se acentuar em 2024;
entenda. Obtido de BNews:
https://www.bnews.com.br/noticias/bnews-agro/eventos-climaticos-extremos-devem-se-acentuar-em-2024-entenda.html
Mulyanto, R. (3 de
January de 2024). Indonesians head to the polls in February. Here are key
issues dominating the elections. Obtido de CNBC:
https://www.cnbc.com/2024/01/04/indonesia-2024-elections-economy-gaza-war-and-china-ties-dominate.html
Nacoes Unidas. (31 de
Dezembro de 2023). Nacoes Unidas. Obtido de www.news.un.org:
https://news.un.org/pt/story/2023/10/1821957
Nations Unies - Droits
de l'Homme. (2004). Convention pour la prévention et la répression du
crime de génocide. Obtido de Nations Unies - Droits de l'Ho,me: https://www.ohchr.org/fr/instruments-mechanisms/instruments/convention-prevention-and-punishment-crime-genocide
Origo Energia . (24 de
November de 2022). Eventos climáticos extremos: tudo sobre. Obtido de
Origo:
https://origoenergia.com.br/blog/energia/eventos-climaticos-extremos-tudo-sobre/
Presidencia da
Republica de Mocambique. (25 de Agosto de 2023). Cooperação com os BRICS
configura mais valia para o desenvolvimento do continente africano.
Obtido de Presidencia da Republica:
https://www.presidencia.gov.mz/por/Actualidade/Cooperacao-com-os-BRICS-configura-mais-valia-para-o-desenvolvimento-do-continente-africano
RFI - Geopolitique. (07
de Janvier de 2024). Peut-il avoir une guerre pour Taiwan ?
Sanogo, I. (30 de
Dezembro de 2023). Transições para regimes civis marcam calendário
eleitoral de 2024 em África. Obtido de Deutsche Welle:
https://expresso.pt/internacional/africa/2023-12-30-Transicoes-para-regimes-civis-marcam-calendario-eleitoral-de-2024-em-Africa-4aef3691
Zelalem, Z. (4 de
January de 2024). Ambiguous Ethiopia port deal fuels uncertainty over
Somaliland statehood. Obtido de Aljazeera:
https://www.aljazeera.com/features/2024/1/4/ambiguous-ethiopia-port-deal-fuels-uncertainty-over-somaliland-statehood
Comentários
Enviar um comentário