O Desafio Tríptico da Transição Energética Actual: Político, Económico e Ambiental.

 Este ensaio desenvolve uma reflexão sobre as características, nuances, limites e possibilidades da transição energética, com enfoque para a a realidade moçambicana. Transição energética que se insere num contexto em que o mundo procura igualmente fazer desenvolvimento sustentável. Uma característica que vai condicionar todo o processo de transição energética, porquanto o desenvolvimento sustentável limita o uso extensivo dos recursos naturais. E boa parte dos recursos energéticos são, igualmente, recursos naturais. Importa recordar nessora o conceito de desenvolvimento sustentável. 

Ora, de forma simples, desenvolvimento sustentável é o crescimento económico que respeita a disponibilidade dos recursos naturais e que é socialmente aceite; i.e., a satisfação das necessidades da geração actual sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazerem as suas necessidades. Escrito doutra forma, o crescimento económico que respeite os limites da natureza. “É o desenvolvimento que não esgota os recursos para o futuro.” (www.wwf-brasil.org.br, 2022 )

Agora que elaboramos o conceito de desenvolvimento sustentável e caracterizamos a transição energética, importa clarificar a noção de transição energética. Certamente que, de forma lógica, deveriámos conceptualizar para depois caracterizar transição energética. Mas, para efeitos pedagógicos, a fórmula caracterização-conceptualização permitirá melhor percepção. Nessa senda, “(…) o dicionário Priberam de língua portuguesa considera que transição é o facto de passar de um assunto ou estado para outro (www.priberam.pt). Mecanicamente a transição energética é de mesma forma antiga que o conceito de energia. Porquanto, a humanidade sempre efetuou a transição energética, i.e., do fogo para as energias fósseis, das energias fosseis à energia eólica, da energia eólica à energia hidráulica, solar, nuclear, etc. em sentido difuso (www.edp.com).” (Nacir, 2022).

Percebemos então que há uma ligação inequívoca entre desenvolvimento sustentável e transição energética. Se quisermos ir mais longe, consideraríamos que há uma relação de dependência, no sentido de que para fazer desenvolvimento sustentável, é necessário fazer transição energética.  Mas, essa consideração pode ser especulativa. Mutatis mutandis, esses dois elementos – transição energética e desenvolvimento sustentável se complementam. E a transição energética é um desiderato global  (UN, 2021 ). É nesse contexto que no quadro dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) para 2030, o sétimo objectivo aborda a transição energética. Este objetivo tem por fim, “garantir para todos, o acesso aos serviços energéticos fiáveis, sustentáveis e modernos, a um custo acessível” (www.onu.org). 

Aliás, é por isso que abordamos o desafio tríptico da transição energética. Há um desafio político, que enquadra o social, um desafio económico e um desafio ambiental. Notemos que essas três dimensões, a social, económica e ambiental, são igualmente nevrálgicas e norteadoras do desenvolvimento sustentável. Por isso a complementaridade da transição energética em relação ao desenvolvimento sustentável e vice-versa. Vejamos então cada uma dessas dimensões, sem qualquer ordem hierárquica, enquanto desafios para a transição energética. 

Primeiro, a dimensão política. Aqui agrupamô-la a dimensão social. Assim, o desafio presente vai relacionar-se a inclusão do assunto transição energética ao debate político nacional. Dessa forma, a sensibilidade dos actores políticos e sociedade cívil, em relação a transição energética e a necessidade de a fazer, de acordo com determinado nível de prioridade, vai determinar a facilidade ou não de se implementar e gerir a transição energética. Uma possibilidade de facilmente enquadrar a transição energética para a realidade nacional é de multiplicar sua discussão a diferentes escalas: institucional, societal, urbano, rural, comunitário, etecetera. 

Vai ser um desafio político, igualmente, a necessidade de determinar claramente a posição de Moçambique face a dicotomia energias fósseis-energias renováveis. Isso é, clarificar como Moçambique vai navegar na prática o uso dessas energias que muitos percebem ser mutualmente exclusivas, mas que podem co-habitar. E eis a possibilidade de transpor esse desafio: adequar o posicionamento nacional às oportunidades estratégicas internacionais, juntamente com os diversos actores internacionais. Aqui mencionamos financiamento, parcerias e transferência de conhecimento e tecnologia. 

Segundo, a dimensão económica. Talvez a dimensão mais claramente ligada para a transição energética enquanto desafio, a economia ocupa um lugar central. Desde a revolução industrial inglesa (século 18) que a economia ocupa permanentemente um lugar importante em todas transições energéticas. E não é diferente nesta transição energética. Porque a transição energética actual sugere a substituição paulatina do uso de energias fósseis para uso de energias “renováveis”, a economia é directamente impactada. Porquanto, as energias fósseis são actualmente usadas como motores do crescimento económico, com o objectivo de garantir o desenvolvimento. 

Por conseguinte, relacionando-o ao desafio inicial, neste caso pode ser frutífero procurar acautelar a maximização do uso dos dois tipos de energia. Isso significaria usar cada energia para sectores específicos, de acordo com a oportunidade, eficácia e eficiência que se mostrar. Assim não se cometeria o erro estratégico de apostar numa em detrimento doutra categoria de energia (renovável ou fóssil).

Terceiro, a dimensão ambiental. Talvez a dimensão “soft” dentre as três elencadas neste texto. Pois, quando se menciona à transição energética não se percebe a dimensão ambiental como desafio, mas como oportunidade. Entrementes, ela se torna um desafio na medida em que a precipitação de fazer transição energética com o pensamento de estar a tomar-se uma medida “pró-ambiental” pode ser contraproducente. Isso porque as energias “renováveis” muitas vezes requerem mais espaço geográfico em comparação com as energias fósseis, para respectiva produção; o que pode fragmentar ou eliminar determinados habitats (Moore, 2019).

De forma ilustrativa, podemos considerar turbinas à vento, barragens hidroelétricas, e centrais solares. As primeiras podem matar diferentes espécies de aves migratórias; as segundas podem desviar rotas de peixes culminando em mudanças na reprodução e níveis de mortalidade;  e por fim, as terceiras podem igualmente impactar aves de proximidade (Idem). Veja-se que o que parece ser a solução da transição energética pode trazer efeitos secundários dramáticos. 

Finalmente, tendo já Moçambique aceite a necessidade de fazer transição energética, resta-nos estudar os desafios que dela advêm. Aliás, o então Primeiro-Ministro, Carlos Agostinho do Rosário, falando em representação de Moçambique em Glasgow, reconhecera a importância da acção climática, mesmo sendo, Moçambique, dos que pouco ou nada poluem (Portal do Governo de Moçambique, 2021 ). E acção climática enquadra – lato sensu – a transição energética, pois acção climática significa fazer esforços para lutar contra às mudanças climáticas de origem humana, antropogénica, e natural. . 

Terminemos então lembrando que o desafio tríptico que Moçambique tem por frente nos remete as dimensões política (incluindo social), económica e ambiental. Essas dimensões tem pontos de continuidade e não são mutualmente exclusivas. Mais ainda, elas caminham juntas e interdependem-se. De tal forma que enquadramo-nos na noção de desenvolvimento sustentável que é norteada por acções sociais, económicas e ambientais. Adicionalmente, a transição energética actual se insere na luta contra as mudanças climáticas que tem como uma das respostas o desenvolvimento sustentável. 



Referências Bibliográficas

1. EDP, (2017), Historia da Energia, http://www.edp.com.br/pesquisadores estudantes/energia/historia-da-energia/Paginas/default.aspx.

2. FONSECA P., (2014), Transiçao Energética: O Papel Das Redes Inteligentes de Energia, Janus, Conjuntura Internacional.

3. MOORE, A. (2019), Renewable Energy Poses Challenge For Wildlife Conservation, NC State University, College of Natural Resources News, Forest and Environment Resources Research, November 2019, consultado a 21 de Junho de 2022, 22h, https://cnr.ncsu.edu/news/2019/11/renewable-energy-poses-challenge-for-wildlife-conservation/

4. ONU, (2017), Objectifs de Développement Durable. 17 Objectifs Pour Transformer Notre Monde, http://www.un.org/sustainabledevelopment/fr/energy/.

5. ONU, (2015), Objectifs du Milenaire Pour le Developpement. Raport 2015, Nations Unies, New York.

6. OKA M.M., (2000), Historia da Electricidade, Versão 1,0, Brasil

7. PORTAL DO GOVERNO DE MOÇAMBIQUE, (2021), Primeiro-Ministro diz que a batalha consiste na transformação de promessas em realidade, consultado a 30 de Janeiro de 2022, 11h28min, https://www.portaldogoverno.gov.mz/por/Imprensa/Noticias/Primeiro-Ministro-diz-que-a-batalha-reside-na-transformacao-de-promessas-em-realidade. 

8. WWF-BRASIL, (2022), O Que É Desenvolvimento Sustentável?, www.wwf-brasil.org.br, consultado a 22 de Junho de 2022


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