Pode a Síndrome de Estocolmo Explicar as Relações Internacionais Pós-Coloniais? De Uma Abordagem Quase Ucrónica.

Pode a Síndrome de Estocolmo Explicar as Relações Internacionais Pós-Coloniais? De Uma Abordagem Quase Ucrónica.

 

Existirá um Eros subconsciente entre as antigas colónias e as antigas metrópoles? Antes, façamos uma breve revisão das palavras-chaves para perceber o presente texto. Tais palavras são: Síndrome de Estocolmo, Relações Internacionais (RI) e pós-colonial.

Primeiro, Síndrome de Estocolmo é uma resposta psicológica aonde um cativo começa a identificar-se favoravelmente com seus captores, incluindo a agenda e demanda desses últimos (Lambert, 2020). Esta designação inspira-se de uma situação de roubo que aconteceu em Estocolmo, na Suécia, quando em agosto de 1973 quatro reféns ficaram cativos por seis dias. Entretanto, durante esse período e após essa situação, os reféns desenvolveram sentimentos de proximidade com os raptores. Doravante passou-se a designar toda situação aonde os reféns desenvolvem afinidades e sentimentos de simpatia ou amizade para com os raptores, como síndrome de Estocolmo (idem). É uma acepção psicológica.

Seguidamente, RI é o conjunto de acções e interacções entre diferentes Estados na prossecução dos seus Interesses. Assim, as situações de guerra, cooperação política, trocas comerciais, entre dois ou mais Estados, são exemplos de RI. Ademais, inclui-se nas RI entidades não estatais: indivíduos, associações, Organizações Internacionais (OI’s), Organizações Não Governamentais (ONG’s), grupos terroristas, organizações criminosas, entre outras. Todas essas instituições participam então das RI.

Por seu turno, o termo pós-colonial, se refere aos aspectos relacionados ao período posterior a colonização, posterior aos processos de descolonizações. Seja por sentimento – sentir-se descolonizado – ou prática – ser/estar descolonizado. Isso é, por RI pós-colonial nos referimos as interacções entre as entidades supramencionadas que ocorrem depois do período de descolonização. Porque sempre houve colonização, sempre houve descolonização.

A descolonização, percebida no sentido lato da palavra é um fenómeno continuo na História das Relações Internacionais (HRI). Houve colónias desde há algum tempo. E houve descolonização também de forma continua. Podemos tomar o Haiti como o marco moderno da descolonização. Haiti que alcançou sua independência em janeiro de 1804, depois de uma sangrenta luta contra a França Napoleónica. Mas o que nos interessa analisar agora é a descolonização no período da ordem bipolar – guerra fria. Pois esses novos países vão surgir dentro de uma ordem bipolar, o que os obriga a se posicionar em relação para essa ordem. E dessas descolonizações vão surgir guerras, alianças e conflitos que nos ajudam a perceber a actual ordem internacional.

Existem várias formas de analisar o processo de descolonização. Uns usam as vagas de descolonização, quais podemos resumir à três. Primeira vaga, concentrada sobretudo na Ásia e imediata ao fim da segunda guerra mundial; segunda vaga concentrada sobretudo na África Ocidental e outros lugares, na década 1960; e finalmente a terceira vaga, que se concentra depois de 1970.  Todavia, outros usam o parâmetro geográfico; concentrando-se assim nas descolonizações ou (i) de acordo com o continente, ou (ii) de acordo com a metrópole em causa. Nós tomaremos a década 70 como o marco para o início das RI pós-coloniais.

A ideia ucrónica neste texto se baseia no facto de que se faz alusões para argumentos lógicos qua por vezes não foram seguidos. Então se pensa de forma logica, mas por meio de um paralelismo entre a logica que ocorre e a logica que deveria ocorrer. Isso porque ucronia é muitas vezes considerada como história apócrifa (Dicionario Online de Portugues, 2020). Então, afastamo-nos um pouco dessa concepção.

A pergunta que pode emergir no leitor é: como transferimos um conceito da psicologia, isso é de nível individual, para analisar as relações entre Estados ou entre este e outras entidades? É, efectivamente uma questão pertinente. Na verdade, essa questão pode ser respondida pela ideia de que “as relações internacionais são uma alegoria para as relações humanas”. Isso é, o que acontece ao nível estatal é um reflexo do que acontece ao nível pessoal, individual. Há uma transposição das relações interpessoais para relações inter-estatais. Aliás, os Estados são dirigidos por Homens, Homens que apesar de serem racionais e primarem pela razão sobre a emoção quando dirigem os destinos dos Estados, não estão isentos e nem imunes as emoções, aos sentimentos, ao páthos.

Nessora, podemos avançar com a ideia central deste trabalho. Uma ideia provocativa. Observando a história recente, é percetível enquadrar a síndrome de Estocolmo na relação entre antigas colónias e antigas metrópoles. Isso porque, quando as metrópoles colonizavam as colónias, o objectivo primário era a exploração das últimas. Exploração de diferentes formas: populacional/demográfica (por meio da escravatura), de recursos (uso dos minerais), dentre outras (presença da população colonial). Desse modo, as metrópoles prejudicaram as colónias, regra geral – mesmo que tenham deixado algumas heranças positivas. E em benefício das antigas metrópoles, podemos acrescentar a ideia de heranças positivas (infraestruturas) o argumento religioso segundo qual, se fazia a colonização para transformar os povos bárbaros (das colónias) em civilizados. De qualquer forma, os resultados foram negativos para as antigas colónias.

Foram resultados negativos pois, houve pilhagem de recursos. Mas houve também pilhagem intelectual, tendo se marginalizado tudo o que dizia respeito a identidade cultural e intelectual dos povos colonizados. E talvez essa pilhagem seja a mais importante, porquanto encontramos ainda hoje vestígios de complexo de inferioridade (a ideia de que os povos colonizados são inferiores comparativamente aos povos colonizadores) por exemplo, nalguns nacionais das antigas colónias. Aliás, o facto de estarmos aqui a relacionar a síndrome de Estocolmo para as RI pós-coloniais nos remete a probabilidade, ao menos, dos danos ocorridos nas antigas colónias. 

Assim, se seguirmos um argumento lógico e, eventualmente, ucrónico, as colónias que conquistaram a independência deveriam distanciar-se das antigas metrópoles. Distanciar-se não significa extinguir as relações, mas limitar as relações, não aprofundar as relações, não oferecer benefícios múltiplos as antigas metrópoles. Este ponto é evidentemente limitado pela ideia de racionalidade da acção do Estado – o Estado não tem sentimentos. Até que ponto, entretanto? Bem, a ideia de limitar as relações se mostra lógica pelo facto de as antigas metrópoles terem prejudicado as antigas colónias.

E se as RI são uma alegoria para as relações pessoas, que diríamos de um Homem que mantém relações profundas de amizade com outro Homem que o prejudicou? Religiosamente, talvez mencionaríamos sua nobreza de alma. Mas racionalmente? Não seria justo considerar que o mesmo não aprendeu com a história? Ou talvez apenas mantém tais relações porque as circunstâncias obrigam. Ou talvez mantem tais relações porque sente afecto pelo Homem que o prejudicou (síndrome de Estocolmo). E a lógica desse argumento é ainda mais intensa se considerarmos as colónias que conquistaram a independência por via armada. Quanto sangue? Quanto luto? Mas o Estado não tem sentimentos!

Todavia, o que temos verificado é uma forte cooperação entre antigas colónias e antigas metrópoles. É igualmente lógico nessora diagnosticar as antigas colónias com síndrome de Estocolmo, pelo sentimento de proximidade, eventualmente de amor para com as antigas metrópoles; essas que as prejudicaram. Não terá o Estado sentimentos? Isso porque, nas Relações Internacionais Contemporâneas (RIC), as antigas metrópoles continuam a beneficiar dos recursos existentes nas antigas colónias, por vezes de forma relativamente exponencial face ao passado colonial. Alguns falam de neocolonialismo. Outros falam de nova forma de escravatura. Eventualmente caminhemos para tais situações. Eventualmente alguns paises estejam em tais situações.

Todavia, este artigo procura apenas criar uma reflexão sobre as relações entre as antigas metrópoles (hoje, muitas das quais consideradas países do Norte) e as antigas colónias (hoje, muitas das quais consideradas países do Sul). Essa reflexão pode nos permitir caminhar para uma situação mais justa e sobretudo benéfica para as antigas colónias (hoje países em desenvolvimento, na maioria dos casos) que muito ajudaram no desenvolvimento das antigas metrópoles (hoje países desenvolvidos, na maioria dos casos).

Uma nota de fim. A ciência se tem vangloriado de basear-se em factos, dados, evidencias para produzir suas analises. E este artigo talvez não tenha tais características. Mas é o objectivo mesmo deste artigo de se limitar a uma abordagem resumidamente conceptual, não trazendo por exemplo nomes de países, não indicando os números relativos as relações entre as diferentes entidades, não expondo os lideres de países em desenvolvimento que demonstram preferências nos serviços (de saúde, bancários) oferecidos pelos países desenvolvidos, não informando sobre a propriedade financeira e de capital dos países desenvolvidos nos países em desenvolvimento. Em resumo, não evidenciando as nuances que demonstram a síndrome de Estocolmo. De forma analítica, é o que pode se observar. Mas, dificilmente saberíamos se é uma observação que resulta de comportamento voluntario ou não; mas e a síndrome de Estocolmo? Terá o Estado sentimentos?

In fine, talvez a intensa cooperação entre países desenvolvidos e países em desenvolvidos pode ser percebida por meio da síndrome de Estocolmo. Eventualmente, os países do Sul têm um forte Eros para com os países do Norte. Provavelmente, as antigas colónias ainda não cortaram o cordão umbilical que lhas liga às antigas metrópoles. Porventura, não estarão os países do norte satisfeitos com o actual status quo (passe a tautologia)?

Bibliografia

1.      Dicionario Online de Portugues. (20 de outubro de 2020). Dicio. Obtido de Dicionario Online de Portugues : www.dicio.com.br

2. Lambert, L. (20 de setembro de 2020). Britannica. Obtido de britannica.com: www.britannica.com>science>Stockholm syndrome

 

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