Como os estudos de risco podem melhorar a sociedade pós-COronaVIrusDisease2019 (Covid_19) em Moçambique?

Como os estudos de risco podem melhorar a sociedade pós-COronaVIrusDisease2019 (Covid_19) em Moçambique?

Desde o início do ano 2020, o covid_19 tem mudado o paradigma social – no sentido lato da palavra[1] – não apenas de Moçambique, mas também do mundo. Se o Covid_19 afectou todo um conjunto de sectores, ele demonstrou a fragilidade dos sectores de previsão e prevenção de risco, estudos de risco. Porquanto estes estão na vanguarda da defesa de todo o resto. Mudou a forma como se olha para as perspectivas, para os planos de contingência e principalmente para as probabilidades.

Enquanto os estudos de risco usam em demasiado os instrumentos de probabilidade para sua operacionalização, eles não podem ser resumidos para um mecanismo probabilístico. Porquanto eles circundam a probabilidade e interagem com ela de dentro para fora e vice-versa. Consideremos estudos de risco como o processo de compreensão da probabilidade de materialização de eventos prejudiciais. Mas os estudos de risco não terminam por aí. Depois de compreender o fenómeno, eles procuram criar mecanismos de contingência para sua ocorrência sob diversos cenários. Quantos mais cenários, melhor. Essa ideia é fulcral, diversificar os cenários.

Os riscos existem em permanência. Porém, alguns exemplos de riscos que se materializaram são: ocorrência de cheias (como as de 2000); ocorrência de ciclones (como o Favio, Idai ou Keneth); ocorrência de ataques terroristas (como os perpetrados pelos insurgentes/terroristas em Cabo Delgado); ocorrência de crises financeiras (como a de 2008); e finalmente, ocorrência de zoonoses – doenças transmitidas de animais para humanos e vice-versa (como o Covid_19). Isso é, antes da ocorrência de cheias, existe o risco de sua ocorrência. Antes da ocorrência de ataques terroristas, existe o risco de sua ocorrência. E assim por diante. E todos estes fenómenos são prejudiciais para a sociedade.

O risco pode ser máximo, médio ou baixo, de forma esquemática. E eles podem ser naturais ou humanos. Aliás, há riscos percebidos como naturais, mas que têm causas ou caminhos humanas/os e riscos percebidos como humanos, mas com causas ou caminhos naturais. Mas estes são objecto doutra discussão. Por ora, relembremos que os estudos de risco procuram nos preparar para a ocorrência dos riscos e a solução dos mesmos. 

Assim, alguns elementos saltam à vista quando pensamos a sociedade pós-covid_19. Esses elementos emergem para fortificar os estudos de risco e tornar os sistemas mais resilientes. Por sistemas nos referimos ao conjunto de instituições que procuram fazer face a ocorrência dos riscos. O Estado, por exemplo, é classicamente um sistema. Portanto, o covid_19 pode ser uma oportunidade para nos ajudar a criar uma sociedade mais resiliente, ou além de resiliente, como sugere Taleb, qual adiante exploraremos sua ideia de um sistema mais que resiliente. Seguem os elementos que podem auxiliar essa tarefa.

Primeiro, não ter uma percepção optimizada do sistema. Segundo, instigar a não conformidade. Terceiro, reduzir e eventualmente eliminar a burocracia; ainda não falamos do burocratismo. Quarto, buscar a anti fragilidade. Desse modo, todos estes factores comunicam para que não se desperdice a crise causada pelo covid-19. Bem asseverou Wiston Churchil aquando do processo de formação da Organização das Nações Unidas (ONU): nunca se deve desperdiçar as crises – “never let a good crisis go to waste (OECD, 2020)[2]. Façamos uma digressão por estes aspectos, para de forma concisa percebermos como esse campo de estudos pode auxiliar a ressurgirmos mais fortes após o fenómeno covid_19.

Antes, entretanto, consideremos que o “após” ou o “pós” deve ser percebido como “agora”. Isso é, já interagimos com o fenómeno, então já podemos avançar pistas sobre como lidar (presente) e sobretudo como proceder ao fim (futuro) do fenómeno. Porquanto a linha que separa o presente do futuro é extremamente ténue: por exemplo, este texto é escrito no presente (para quem o escreve), mas será lido no futuro (de quem o escreve) e presente (de quem o lê), de forma simultânea. Mutatis mutandis, comecemos a abordar os nossos elementos.

A ideia de não optimizar o sistema nos oferece a oportunidade de efectuar continuamente um processo de monitoria e avaliação (M&A). De forma regular, deve-se verificar a condição de resposta do sistema para eventos prováveis. O sistema é, no caso, a estrutura de resposta. Pode ser o Instituto Nacional de Gestão de Calamidades (INGC), o Ministério da Saúde e o Instituto Nacional de Saúde (INS), as Forças Armadas de Defesa de Moçambique (FADM) e as Forças de Defesa e Segurança (FDS), ou mesmo cada nacional e estrangeiro residente em Moçambique. Ainda, podem ser todos esses elementos e outros, de forma cumulativa ou não.

Por exemplo, face a possibilidade de ocorrência de cheias, não apenas o INGC deve estar em prontidão, mas também os habitantes da provável região de ocorrência, os habitantes de regiões distantes que podem oferecer apoio. Ou ainda, o Ministério da Saúde, pois eventuais doenças emergem devido as cheias. Por isso falamos de sistema: um conjunto de elementos em estrita sintonia. Nessora, não se deve em algum momento pensar que o sistema está apto a responder para a contingência. Mesmo que nos pareça que esteja. Pois, sempre que encontramos “lacunas” e fragilidades do sistema, sempre que trabalhamos nelas, estamos a fortificar o sistema, o tornando mais apto para responder às eventualidades. E isso nos permite não apenas fazer face ao provável fenómeno, mas aos efeitos colaterais do mesmo. E quiçá ao improvável. A palavra de ordem aqui deve ser nunca considerar o sistema apto para responder aos riscos. Considerar o sistema apto para responder aos riscos é um erro estratégico.

Seguidamente, precisamos de instigar a não conformidade. O que se quer dizer com isso? Precisamos fortalecer instituições aonde ideias floresçam e encontram oportunidade para sua aplicação. Isso porque, quando não existem diferenças de ideias em instituições que pela natureza estejam na vanguarda de resposta contra a ocorrência do risco, lhas tornamos vulneráveis, frágeis. Pois, onde domina o pensamento único, reduz-se o anglo de visão. Desse modo, não observamos tudo o que precisa de observação.  

Assim, importa aos diferentes líderes, permitir a existência de ideias póstumas. Porquanto, permitir a sobrevivência de ideias, a priori, desfasadas da realidade não é perder tempo, mas propiciar a preparação para eventos que parecem pouco prováveis de ocorrer. E quando ocorrem, facilmente lhos fazemos face. Se ainda em 2019 houvesse um cenário para ocorrência de uma zoonose tal como o covid_19, facilmente lha faríamos face. Se existiu, a situação actual manifesta relativamente o contrário.

Depois, a redução da burocracia favorece a multiplicidade de ideias e de discussão das mesmas. Isso porque o contacto entre as ideias não é condicionado por requisitos administrativos que possam prejudicar o alcance de resultados. Idriss Aberkane tem uma concepção interessante de burocracia: situação qual o procedimento é mais importante que o resultado (Aberkane, 2017). Essas situações provocam uma lentidão no tratamento dos assuntos.

Por exemplo, quando existe a necessidade de se discutir um aspecto critico e urgente sobre a probabilidade de ocorrência de um evento prejudicial, pode-se levar muito tempo a marcar o encontro ou a obter a aprovação de realizar determinada actividade. E quando a burocracia é exagerada, fala-se do burocratismo, que é o “domínio ou influência abusiva da burocracia” (Infopédia, 2020)[3]. Podemos imaginar os prejuízos sociais de uma sistema burocrática.

Inversamente, quando os resultados são mais importantes, há procedimentos que podem ser “esquecidos” em bom nome da potencialização da capacidade de resposta do sistema. E no quotidiano, os resultados são mais importantes que os procedimentos. Aliás, os procedimentos são criados para facilitar o alcance dos resultados. Porquê então manter os procedimentos, quando não servem seu fim?

Ainda, é preciso buscar a anti fragilidade. A ideia iniciada acima quando abordamos sobre a necessidade de não ter uma percepção optimizada do sistema junta-se a anti fragilidade. Estas duas ideias – buscar a anti fragilidade e não ter uma percepção optimizada do sistema – envelopam esta discussão. A anti fragilidade nada mais é que a constante melhoria do sistema. Isso é, a procura permanente de melhorar o sistema para o infinito. E quando buscamos a anti fragilidade, tudo o que impacta o sistema, aumenta a anti fragilidade.

Esqueçamos nesse âmbito a palavra resiliência. Emprestemos a intelectualidade de Nassim Nicholas Taleb quando considera que os sistemas anti frágeis estão além da resiliência, pois, os sistemas resilientes resistem ao choque e continuam os mesmos, enquanto os sistemas anti frágeis tornam-se melhores depois de resistirem aos choques (Taleb, 2012). Choques aqui, são a ocorrência dos riscos. Da necessidade de nos tornarmos anti frágeis e fazermos uma entrada triunfal no mundo posterior ao covid_19.

Ademais, a ideia do infinito é aqui interessante. Isso porque o infinito é desconhecido. E os riscos mais perigosos são desconhecidos. O que dizer sobre sua ocorrência? Mas o desconhecimento não significa inexistência. Desse modo, quando buscamos nos tornar anti frágeis, se procedermos de correcta maneira, o resultado é que vamos buscar o infinito, daí, riscos a priori inexistentes. E se esses riscos se tornam existentes, o nosso sistema, por ser anti frágil, já está preparado para lhos enfrentar, minimamente. Pois, já os havíamos previsto. Nassim Nicholas Taleb frequentemente fixa: “become antifragil or die” (torne-se anti frágil ou morra).

Portanto, podemos retornar a ideia de aproveitar a crise. E o que é aproveitar a crise? Aproveitar a crise é não desperdiçar a crise, como sugeriu Churchill, citado acima. E não desperdiçar a crise é observar os aspectos menos conseguidos durante a gestão da crise e procurar melhorá-los de forma continua; é observar os aspectos bem conseguidos e potenciá-los. É preparar-se para crises futuras e piores que as precedentes. Não desperdiçar a crise é sobretudo criar uma ruptura epistemológica e pragmática entre o anterior e o posterior a crise. Não desperdiçar a crise é tornar-se anti frágil.

In fine, a ideia de aplicar os estudos de risco na discussão sobre a sociedade pós-covid-19 é de construir sistemas mais do que resilientes, sistemas anti frágeis e preparados para o improvável.  Pois, tradicionalmente, apenas se observa os riscos prováveis. Mas é ainda mais interessante observar os riscos improváveis. Apenas dessa maneira poderemos começar a falar verdadeiramente de sistemas anti frágeis e de gestão optimizada de riscos sem perceber o sistema como óptimo. Poderemos então reduzir nossa vulnerabilidade face aos diferentes riscos.

 

Bibliografia

1.      Aberkane, I. J. (2017).

2.      Infopédia. (2020, Agosto 22). Infopédia, Dicionários Porto Editora. consultado em Infopédia, Dicionários Porto Editora: https://www.infopedia.pt

3.      OECD. (2020, agosto 22). Organisation for Economic Co-operation and Development. consultado em OECD: https://www.oecd.org

4.      Taleb, N. N. (2012). Antifragile: Things That Gain From Disorder . Random House.

 

 



[1] Se o homem é, a princípio, um ser social, tudo o que ele faz é social. Mas também, o que interage com ele rouba parte dessa característica social. Assim, a economia, o ambiente, a saúde, o internacional o domestico, são sociais. Resumindo, tudo o que interage na vida humana é social.

[2] Consultado a 22 de agosto de 2020.

[3] Consultado a 22 de agosto de 2020.


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